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O uso de tecnologias nos sistemas de cria – do Andrológico ao uso de Marcadores

Reprodução | 03 de Janeiro de 2014
Méd. Vet. Silvio Renato Oliveira Menegassi
Doutorando em Produção Animal
INTRODUÇÃO

A produção de gado de corte no Brasil é realizada em condições de pastejo, sem considerar a capacidade de suporte das mesmas. Quando conduzidas numa menor oferta de pasto, a produção é baixa por área e utilizada. É censo comum que o baixo desempenho da pecuária de corte bovina do País é conseqüência de vários fatores, entre os quais se destaca a deficiente nutrição dos animais. Esses problemas nutricionais são particularmente graves no caso de vacas primíparas com cria ao pé, por serem animais mais jovens que ainda não completaram seu desenvolvimento As variações sazonais na disponibilidade de forragens do campo nativo, sobre o qual se realiza a maior parte da criação bovina geram crises alimentares hibernais, fundamentalmente energética, de diferentes magnitudes conforme o ano. Assim, a bovinocultura de corte é considerada, em termos relativos, como atividade que perde participação na composição da renda do setor primário e em termos absolutos, no total de área ocupada na exploração agrícola, somando-se a isso o aumento avassalador da agricultura nas melhores áreas.
Para aumentar a eficiência em sistemas de produção de cria deve-se buscar elevar a taxa de desmama, peso dos bezerros e peso das vacas de descarte. É senso comum no setor produtivo que a natalidade seja superior a 75%.
Cabe ressaltar que a eficiência reprodutiva torna-se ainda mais dependente do touro, quando as vacas têm alta taxa de ciclicidade ovariana. Neste contexto, a importância do touro é evidente, pois é responsável por mais de 90% da genética do rebanho, apesar de constituir apenas 5% do mesmo. Na sua vida útil, tem a oportunidade de produzir de 100 a 300 bezerros, dependendo da relação touro/vaca e da taxas de prenhez neste período (Amaral, 2003).
Como a maioria dos criadores ainda tem pouca informação sobre a fertilidade de seus touros, a identificação desses animais e as causas de descartes são imperiosas, pois esses touros podem não ser identificados até o final da estação reprodutiva, ocasionando um elevado número de vacas falhadas (Amann, 2000).
O exame andrológico possibilita conhecer a fertilidade potencial do touro, contudo os benefícios econômicos do potencial reprodutivo de um touro através do exame andrológico prévio à temporada de monta ainda são pouco estudados.            

Dificuldades de predizer o Potencial Reprodutivo de Um Touro

     As biotécnicas aplicadas à reprodução animal têm contribuído significativamente para as pesquisas e a produção animal. O domínio dessas biotécnicas tem provocado uma revolução científica. O controle do ciclo estral associado à Inseminação Artificial em tempo fixo (IATF), a transferência de embriões, a produção in vitro de embriões, a Manipulação de oócito Inclusos em Folículos Pré-Antrais (MOIFOPA), a clonagem e a transgenia são algumas das biotécnicas que tem contribuído para elevar os índices da pecuária mundial. Mas são essas biotecnologias aplicadas preponderantemente à reprodução das fêmeas bovinas, ficando ao macho a oferta do material fecundante.
Apesar desse avanço, a monta natural, é ainda o processo de manejo mais utilizado em gado de corte no mundo.
A utilização inadequada do potencial reprodutivo dos machos aumenta a demanda de touros, ocasionando a utilização de reprodutores sem seleção genética prévia para características importantes como fertilidade e precocidade sexual. Dessa forma, as características físicas e morfológicas do sêmen, a biometria testicular, o comportamento sexual, devem fazer parte do exame andrológico para previsão do potencial reprodutivo dos touros (Fonseca et al, 1991, Menegassi et al., 2011).
Para prognosticar o potencial reprodutivo dos touros, o Colégio Brasileiro de Reprodução Animal (1998) preconiza o exame andrológico.
As variações encontradas entre os autores reforçam a necessidade de se realizar o exame andrológico periodicamente, podendo o descarte apresentar taxas variando enormemente dependendo do estágio e o local em que se encontra a propriedade avaliada, a idade, a raça, o tipo de exame que se realiza e mesmo o técnico que o realiza, mostrando que sempre se encontrarão touros inaptos.
Holroyd et al (2001) deixa bem claro a dificuldade de selecionarem-se touros por ser a fertilidade multifatorial e demonstrou em um trabalho no norte da Austrália onde 235 touros previamente selecionados quanto à fertilidade foram acasalados em 10 diferentes rodeios de multi-touros e tiveram os terneiros relacionados pelo DNA paterno, apresentando-se touros com as seguintes relações de parentesco: 14% dos touros geraram 30% de terneiros, 58% dos touros geraram 10% ou menos de terneiros e 6% dos touros não geraram nenhum terneiro.
Em várias partes do mundo se tem percebido que, apesar de todo o conhecimento técnico adquirido, muitas vezes selecionamos touros que no campo não apresentam o desempenho esperado, o que seria explicado em parte pelos altos percentuais de descarte encontrados em touros quando se utilizam recursos de testá-los para a libido e a habilidade física.

Evolução do Exame Andrológico

A seleção de touros a serem utilizados como reprodutores é uma das etapas mais importantes para os rebanhos que adotam o sistema de monta natural, principalmente ao considerar que ao macho cabe multiplicar fertilidade e genética a um grande número de fêmeas.
A capacidade reprodutiva de touros depende de vários fatores tais como: adequado manejo reprodutivo e nutricional, idade, e condições climáticas e ou sanitárias, que podem influenciar na qualidade do sêmen, refletindo positiva ou negativamente em seu potencial reprodutivo. Portanto, a seleção de touros por meio do exame andrológico, tem por finalidade eleger animais com boa aptidão reprodutiva. Assim, o touro contribuirá para a melhoria da fertilidade e lucratividade do rebanho .
Muitas vezes, desafortunadamente, a aparente fertilidade de um grupo de machos ou fêmeas é avaliada por veterinários erroneamente, por uma ou mais razões. Ou por conceito do desenho experimental, validade do impacto estatístico ou interpretação dos valores das taxas médias de prenhez são mal interpretadas. A magnitude desse problema foi documentada pelo exame de publicações científicas; 51 de 67 artigos (76%) foram considerados falhos (Amann, 2004).
As alterações que se evidenciam nos touros, de origem infecciosa, traumática, genética ou ambiental, podem resultar em sub-fertilidade, infertilidade ou esterilidade. O conceito de fertilidade é muito subjetivo e foi mais estudado na espécie bovina do que nas demais. O touro tem que ser fértil, ou seja, ter capacidade de produzir muitos filhos, já que a atividade visa lucro e o item fertilidade tem fundamental importância no resultado econômico da exploração. É chamado sub-fértil aquele animal, ou grupo de animais, onde ocorre uma redução do seu potencial reprodutivo, e infértil, quando temporariamente apresenta uma incapacidade reprodutiva. Estéril é o animal definitivamente incapacitado para a reprodução (Pimentel, 2000).
Os touros sub-férteis têm capacidade de gerar descendentes, fator indesejável quando esta alteração é de caráter genético, uma vez que essa condição será transmitida às próximas gerações. Por isso, na identificação da sub-fertilidade, é aconselhado realizar exames criteriosos, analisando diferentes ejaculados em diferentes datas, visando obter diagnóstico e prognóstico seguro (Vale Filho, 1979).
A utilização de touros sub-férteis pode conduzir a intervalos mais longos de nascimentos, aumentando custos por ter maior número de fêmeas vazias na temporada, ocasionando perda econômica (Hamilton, 1989).
Condições ambientais e a atividade de monta influenciam significativamente na qualidade seminal e nas condições físicas de um touro, portanto, quando touros exercem sua função de montar vacas a campo, maiores são suas possibilidades de adquirir desgastes que são próprios da sua atividade básica.
Ellis et al. (2005) em Nebraska (USA) acompanharam 14 touros previamente avaliados quanto a sua saúde reprodutiva, de um grupo de 60 touros, em um acasalamento a pasto, durante 63 dias em 3 rebanhos de 191-196 vacas. Os touros perderam 77 kg e o escore corporal declinou de 6 para 4,5, enquanto os touros que não trabalharam e foram mantidos sob mesmas condições ambientais, mantiveram o escore corporal de 6 e ganharam 27 kg em média, no mesmo período. A circunferência escrotal declinou 4,58%, enquanto que nos touros em repouso, incrementou 2,49%. Somente 45% dos touros em trabalho tiveram sua saúde reprodutiva aprovada ao final da temporada de monta, sendo as principais patologias apresentadas, as dos membros locomotores e o aumento das patologias espermáticas.

Marcadores proteicos no sêmen

Avaliações mais criteriosas e predição da fertilidade potencial individual de touros vêm sendo sugeridas através de provas complementares procurando-se medidas associadas a marcadores de alta fertilidade.

- PROTEINAS LIGADORAS DE FOSFOLIPIDIOS (BSPs)
- PROTEINAS LIGADAS A HEPARINA
- PROSTAGLANDINA D SINTETASE
- OSTEOPONTINA
- FOSFOLIPASE A2

Existem mais de uma centena de proteínas que atuam de várias formas na capacitação dos espermatozóides e no seu trânsito desde a ejaculação até o trato reprodutivo feminino.
Diante dos resultados até agora não conclusivos, há necessidade de mais estudos para esclarecer os processos que afetam a fecundação e/ou fertilidade e a atuação das proteínas do plasma seminal nesses processos.
        
Marcadores Moleculares


Os programas de seleção animal comumente são baseados no fenótipo individual, sendo na maioria dos casos, uma indicação não precisa do genótipo. Na maioria dos programas de avaliação genética, os critérios de seleção que são estabelecidos estão relacionados às características de desempenho ponderal, em detrimento às de natureza reprodutiva, mesmo sendo a eficiência reprodutiva um índice de peso na avaliação do sistema produtivo.    Isto se deve ao fato de que a variação genética depende da variação alélica em um grande número de locos e a expressão gênica destes locos é altamente afetada por fatores do meio ambiente.
A utilização de marcadores moleculares como auxiliares da seleção clássica pode trazer uma grande contribuição à pecuária, já que possibilita a identificação precoce dos bons reprodutores, no entanto, requer utilização de marcadores já identificados que estejam associados a locos de características quantitativas. Pesquisas anteriores identificaram marcadores associados ao gene da Leptina, LHR, FSHR e IGF-IR que podem permitir selecionar animais com maior potencial para ganho de peso ou para um melhor desempenho reprodutivo.
Técnicas biotecnológicas vêm sendo empregadas largamente como ferramenta para a seleção animal. Estas técnicas podem ser utilizadas para a melhoria da produtividade e a qualidade dos rebanhos. O estudo de marcadores moleculares pode fornecer apoios para a detecção de genes candidatos, cujos produtos desempenham efeitos sobre a eficácia produtiva e conseqüentemente, obter um benefício, como identificar os touros com melhor potencial reprodutivo. Um importante aspecto para este tipo de estudo é o conhecimento prévio da variabilidade genética das populações alvo, permitindo compreender as diferentes respostas aos estímulos endógenos e exógenos.
Os marcadores de DNA apresentam maiores níveis de polimorfismos que os protéicos, pois permitem a obtenção de dados de regiões não transcritas e a identificação de mutações silenciosas.
Com o aumento do conhecimento sobre o genoma animal e, conseqüentemente, da posição e efeito de locos principais para características quantitativas, tornou-se possível, utilizando-se marcadores moleculares, modificar-se as técnicas tradicionais de seleção, baseadas exclusivamente no aspecto fenotípico (DENTINE,1999).
As novas tecnologias de análise molecular da variabilidade do DNA permitiram determinar pontos de referência nos cromossomos, tecnicamente chamados marcadores moleculares. Nada mais são do que regiões com endereço próprio no cromossomo e que apresentam polimorfismo, ou seja, variam de indivíduo para indivíduo. O que está sendo feito pelos pesquisadores é cruzar as informações genotípicas baseadas nos mapas genéticos com informações fenotípicas coletadas a campo e identificar aqueles marcadores associados aos QTLs (Quantitative Trait Lócus – Lócus de Características Quantitativa).
A maioria das características de interesse econômico é quantitativa, apresentando, então, interação genótipo x ambiente e genótipo x manejo. A MAS pode ser muito útil para selecionar essas características, permitindo a eliminação de genótipos desfavoráveis em uma única geração, reduzindo os custos dos testes de progênie, facilitando os esquemas de acasalamento, maximizando os efeitos heteróticos e possibilitando a identificação de efeitos transgressivos em raças sintéticas. A MAS é particularmente útil para a seleção de características de baixa herdabilidade e de difícil mensuração e a seleção de indivíduos, que embora não exibam traços em questão, o influenciam (como por exemplo, o efeito do genótipo de touros na produção de suas filhas). Permite ainda a seleção de animais jovens, antes do desenvolvimento dos caracteres reprodutivos (WEIMER, 2003).
A aplicação da MAS necessita, entretanto, do conhecimento prévio da variabilidade genética dos animais e da detecção de associações entre os caracteres quantitativos e os marcadores moleculares.
Dentre os diversos marcadores moleculares utilizados, os SNP (polimorfismo de um único nucleotídeo) variações de seqüências de DNA que ocorrem quando um nucleotídeo (A,T,C ou G) na seqüência do genoma é alterado. Ocorrem em grande quantidade no genoma e normalmente constitui-se de dois alelos que se diferenciam por um par de bases. Essa diferença pode ser detectada através de amplificação por PCR e o uso de enzima de restrição, ou através de seqüenciamento.
Outro tipo de marcadores, os Microsatélites, ou STR (repetições curtas em "tandem") são pequenas seqüências não codificadoras, de 1 a 6 pares de bases, repetidas,  e normalmente em número menor do que 100 repetições (TAUTZ, 1993). Por apresentarem alto polimorfismo, codominância, facilidade de detecção por PCR, facilidade de determinação dos alelos e genótipos, e por ocorrerem com grande freqüência ao longo do genoma da maioria dos organismos eucariotos, tem sido usados extensivamente para caracterização de raças, estudos de evolução e filogenias, mapeamento genético, e no auxílio de programas de melhoramento. O polimorfismo de Microsatélites é resultado do número variável de elementos repetitivos.
Os estudos mais recentes, envolvendo identificação e expressão gênica das proteínas do plasma seminal, têm vislumbrado a possibilidade de essas proteínas atuarem como marcadores genéticos para alta fertilidade de touros, uma vez que existe a sugestão do envolvimento da herança genética na expressão do perfil protéico do sêmen (Salvador, 2001).
Portanto, parece claro que a seleção de futuros touros através da técnica de marcadores moleculares possibilitaria além do ganho genético, a fertilidade, o que representaria uma evolução bastante significativa no tempo de seleção desses touros. A seleção por marcadores moleculares passa a ter, portanto fundamental importância nas biotecnologias aplicadas ao macho, em vista que a reprodução tem matematicamente importância 10 x maior do que o produto e cinco x maior do que características como a produção (Trenkle e Willham, 1977).