Por Fernando Furtado Velloso
Assessoria Agropecuária FFVelloso & Dimas Rocha
A venda de touros como regra tem seus melhores resultados através de leilões, seja para os vendedores que alcançam maiores valores quanto para os compradores que tem possiblidade de acessar os melhores animais de cada geração. Desta forma, a grande maioria dos produtores dedicados à produção de genética tem grande envolvimento com os leilões e estão sempre observando as tendências de mercado, as possibilidades de melhorias e inovações nesta modalidade de venda. O produtor de touros e os leilões estão juntos desde muito tempo.
Tive a oportunidade de participar recentemente (Março/2015) do 46º Leilão Anual da Connealy Angus em Withman (Nebraska, EUA), a convite da central de inseminação Select Sires do Brasil. Atualmente, este rebanho está posicionado como um dos mais importantes e influentes no Angus dos EUA e por consequência na maioria do mundo, pois a genética americana é dominante, inclusive no Brasil para rebanhos puros ou para cruzamento. Logo, o que eles produzem e vendem chega rapidamente também na pecuária brasileira. Poderemos conferir a importância do trabalho deste rebanho com alguns dados que serão apresentados a seguir, especialmente o reconhecimento do mercado americano nos resultados deste leilão.
O momento atual da pecuária americana é mais que bom, havendo valorização real em todas as categorias de bovinos, desde o criador, passando pelo confinador e chegando até no produtor de touros. Além da grande valorização do gado e da carne nos EUA desde 2014 vive-se agora ainda um momento único de grãos com menor custo, permitindo mais intensificação nas propriedades e ainda maior demanda pelo gado. Este cenário repercute muito positivamente nos mercado de touros, especialmente Angus. Nos últimos anos a média geral de preço de touros Angus (com 1 ano de idade) no EUA esteve na faixa de 4 a 4,5 mil dólares e para 2015 espera-se que ela supere os 6 mil dólares.
A experiência de participar do remate da Connealy Angus foi muito positiva, pois pude verificar in loco a dinâmica de um leilão de touros nos EUA e como algumas coisas ocorrem tão diferentes do Brasil e como outras são tão parecidas (apesar das pessoas não falarem isso normalmente).
O leilão ofertou 513 touros, sendo a maioria animais de 1 ano (com aprox. 600 kgs) e um grupo menor de animais com pouco menos de 2 anos (18 a 20 meses, pesando aprox. 700 a 750 kgs) e nascidos em uma segunda estação reprodutiva. Vou tentar listar aqui alguns diferenciais bem marcados em relação aos nossos leilões:
Catálogo – o nível de detalhamento do catálogo supera em muito as informações que disponibilizamos por aqui. Esta situação é natural porque a Avaliação Genética está bem mais avançada do ponto de vista da aplicação prática e a importância dada para os DEPs pelos criadores é bastante grande.
Lotes apartados por touro pai – os animais são loteados no catálogo e nas mangueiras/piquetes do leilão pelo touro pai. Esta situação é muito conveniente para os interessados em alguma característica genética específica (facilidade de parto, tamanho, leite, marmoreio, etc) e também para os que querem conhecer melhor o perfil de produção do touro A ou B.
Informações e transparência – a disponibilidade de informações é muito completa e busca-se ao máximo facilitar o acesso a dados técnicos para que o comprador tenha segurança nas suas escolhas. Chamou atenção neste leilão que alguns animais eram portadores de um gene para o “defeito genético” chamado Developmental Duplication ou DD (algo como Desenvolvimento Duplicado em português). Este defeito genético foi identificado recentemente na raça Angus (2013) e pode causar dobras cutâneas extras (pregas de pele) ou até um membro adicional. Todos os touros deste leilão foram testados para este gene e os portadores vendidos com esta informação disponível e bem destacada, inclusive nos piquetes (vide foto). Estes animais podem ter filhos com problemas se acasalados com vacas portadoras do mesmo gene. É uma lógica de bem informar e orientar os clientes e não de ocultar algum eventual problema.
Dinâmica do leilão – a velocidade do remate impressiona muito, mesmo para os que frequentam ou trabalham na atividade. Na primeira hora do leilão, venderam-se 80 touros e ali estavam os principais destaques da oferta. Na sequência e, especialmente, no terço final a velocidade chegou a 100 touros por hora e todos vendidos em lotes individuais. Olha, 100 por hora é uma boa velocidade! Em função deste ritmo, não há tempo e nem hábito de informar compradores e agradecer lances. Ao término da venda de um lote somente confirma-se o valor e o número do comprador. Esta é também uma pequena diferença na realização do leilão, mas bastante prática, os compradores cadastram-se no início do evento e recebem a sua numeração (como um crachá) e assim estão autorizados a participar.
Custos e comissões – todos os custos do leilão são de responsabilidade do vendedor e do comprador não é cobrada nenhuma comissão. O leilão oferece frete até 500 milhas (ou 800 km), mas é concedido um desconto de 50 doláres por touro para os compradores que levarem os seus animais. Sendo assim, o estacionamento é cheio de camionetes com trailers para carregar os animais tão logo é feita a compra (pois muitos não aguardam o final do leilão).
Ambiente – o recinto de leilões é bastante funcional, mas muito simples e sem muito conforto. Da mesma forma, todo o entorno do evento é bem organizado, mas sem muita preocupação ou investimento em questões decorativas ou que enobreçam o momento. A parte social está em segundo plano e o foco é de negócios, sem as “presenças VIPs” e outras situações similares em nossos leilões, especialmente os chamados de elite.
“Os americanos somente olham os números dos animais”:
Esta é uma afirmação frequente de quem tenta supervalorizar a avaliação genética ou desqualificar o trabalho de lá, sugerindo que não há cuidado com o biótipo, com características funcionais, cascos, aprumos, etc. Pois bem, passados tantos anos visitando rebanhos nos EUA e especialmente neste leilão, posso falar com tranquilidade que a afirmação não é verdadeira. No leilão da Connealy desde cedo pela manhã muitas pessoas estavam revisando os lotes de touros e com muito interesse em identificar os animais que mais lhe agradam. Faço um paralelo que lá revisam igual ou mais ao comumente visto em nossos leilões. A maioria das empresas de inseminação participou do leilão adquirindo os touros mais importantes e estas já haviam revisados os animais no dia anterior, algumas nos meses anteriores e até no momento do desmame. Logo, esta conversa que “americanos somente olham os números” é mais um exemplo que ser um pouco São Tomé vale a pena.
Uma cena que me marcou muito no leilão foi de um uma senhora já de idade avançada, creio que acima de 70 anos, sentada perto de nós. Pois bem. Ela estava sozinha no remate, escolhendo os seus touros e o seu catálogo estava bem manuseado e com muitas anotações de quem estudou muito: índices grifados em amarelo, outros em vermelho, lotes assinalados com triângulos, círculos ou quadrados conforme o método dela. Como material de suporte, ela trazia uma lista grande com touros classificados para novilhas e noutra coluna para vacas e ia dando baixa à medida que iam os vendendo. Nos touros mais importantes e com fotos no catálogo ela desenhou a marca da fazenda dela nas costelas já os imaginando comprados. Parece uma história boba, mas para mim ilustra a diferença do perfil e do nível de envolvimento dos compradores de touros lá é cá no Brasil. Creio que vamos concordar que encontrar uma senhora de terceira idade comprando touros e com bom conhecimento de avaliação genética, DEPs e pedigrees no Brasil não é algo muito frequente. O valor de bons touros é algo que a cultura americana vem consolidando faz muitos anos e este causo ilustra para mim esta verdade.
O leilão encerrou com média de mais de 11,5 mil dólares para os 513 touros. Os animais mais valorizados foram adquiridos por centrais de inseminação e rebanhos registrados, mas a grande maioria para produtores comerciais que precisam levar melhoramento genético e mais produção para os seus rebanhos. Entre tantos critérios para escolha de touros ainda imperam nas preferências dos americanos os touros com facilidade de parto (para uso em fêmeas de 13-14 meses) e com marmoreio para atender as exigências do Programa Carne Angus e da indústria da carne. Fica claro que os critérios são bem distintos dos nossos, pois a genética preferida para cruzamento no Brasil pouco considera estes dois itens e segue na busca de muito ganho de peso como principal critério.
Quase esqueço e pode até não ter muita importância, mas neste leilão que participamos o leiloeiro não usava o martelo. Bastava o “sold”!
Fonte: Publicado na Revista AG, Coluna "Do Pasto ao Prato" (Abril/2015)