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Pesquisa FAPESP: Os genes do gado

Informação | 30 de Abril de 2017

Pesquisa FAPESP: Os genes do gado

Foto: Divulgação/Assessoria

EVANILDO DA SILVEIRA | ED. 254 | ABRIL 2017

O conhecimento da genética de bovinos deve auxiliar criadores a selecionar animais da raça nelore com carne mais macia


Pesquisas em melhoramento genético baseadas na identificação e na manipulação de genes e proteínas estão em andamento no Brasil para melhorar a qualidade do gado de corte. O objetivo é desenvolver bovinos com maior eficiência alimentar – capacidade de transformar o que comem em carne e gordura –, ganho de peso mais rápido, resistência a doenças e parasitas e produção de carne mais macia. Inicialmente feita com base no “olhômetro”, ou seja, em características externas dos animais, a informação codificada nos genes passou a ajudar na seleção dos indivíduos com as qualidades desejadas. A maioria dos trabalhos é com a raça nelore, da subespécie conhecida como zebu (Bos taurus indicus), originária da Índia e que representa cerca de 80% do rebanho nacional de bovinos.

Uma análise de variações estruturais e funcionais do genoma do nelore e de sua relação com características de produção, como a qualidade da carne e a eficiência alimentar da raça, é desenvolvida pela veterinária Luciana Correia de Almeida Regitano, pesquisadora de genética animal da Embrapa Pecuária Sudeste, uma das unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), localizada em São Carlos (SP). “O objetivo é compreender os mecanismos moleculares que contribuem para a variação genética que afeta o fenótipo [conjunto de características observáveis de um indivíduo] do animal.” A partir desse conhecimento será possível selecionar animais que possuem as variantes favoráveis ou mesmo induzir mutações no genoma do animal, melhorando as características de uma raça.

Uma das pesquisas do grupo de Luciana diz respeito ao gene KCNJ11. Em camundongos, a falta de expressão desse gene causa baixo aproveitamento dos alimentos e fraqueza muscular. “Ao investigar a atuação dele em bovinos, encontramos uma relação com a maciez da carne”, explica. “Os animais com menor expressão desse gene possuíam carne mais macia, mas também apresentavam menores índices de ingestão de capim seco, ganho de peso diário e taxa de crescimento. Esses resultados mostram como interferir na expressão de um único gene poderia trazer tanto resultados positivos quanto negativos do ponto de vista do produtor.”

No Brasil, essas pesquisas ganham importância especial porque o rebanho nacional é o segundo do mundo, com 215,2 milhões de cabeças em números de 2015, atrás da Índia, com 330 milhões de animais, em 2014. As raças zebuínas, que predominam no Brasil, são adaptadas ao clima tropical porque são mais resistentes a doenças e à pastagem mais fraca. A boa carne, macia e tenra, está relacionada a maior presença da gordura, o que ocorre na subespécie Bos taurus taurus, de origem europeia.

A comparação entre a carne das raças angus, a raça europeia mais criada no Brasil, principalmente no sul do país, e nelore é uma das formas para entender o que as faz diferente, além da presença de mais gordura na europeia. Esse foi o objetivo do estudo de doutorado do veterinário Rafael Torres de Souza Rodrigues na Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais. “Queremos saber por que a carne do gado europeu é mais macia e tem mais gordura intramuscular do que a do zebuíno.” O pesquisador, agora pós-doutorando na Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina (PE), fez a comparação entre os proteomas [conjuntos de proteínas] dos músculos dessas duas raças logo após o abate. “Como as proteínas constituem a maior parte do tecido muscular e a atividade delas é responsável pelo amaciamento da carne após o abate, a diferença na abundância de proteínas específicas entre as duas raças pode explicar por que a de uma é mais macia que a da outra”, explica Rodrigues. Ele encontrou evidências de que a diferença de maciez da carne está relacionada aos mesmos mecanismos que regem a apoptose – a morte celular programada. Esse mecanismo é desencadeado pelo estresse celular causado por fatores como falta de oxigênio e glicose e queda do pH, que ocorrem após a morte do animal.

“Nos últimos anos, esse processo bioquímico tem sido considerado o responsável por coordenar o amaciamento da carne após o abate”, diz. Atualmente, a diferença na maciez da carne entre zebuínos e taurinos é atribuída, principalmente, ao fato de zebuínos terem maior atividade de uma proteína chamada de calpastatina. “Essa proteína é inibidora da atividade das calpaínas, que são as principais enzimas responsáveis pelo amaciamento da carne após o abate.” Em seu trabalho, Rodrigues estabeleceu uma relação entre esses dois mecanismos: sua hipótese é que a maior atividade dessa proteína em zebuínos ocorre pelo fato de as células musculares desses animais serem mais resistentes à apoptose. “O mais interessante é que as principais enzimas que realizam a apoptose, as caspases, têm sido relacionadas com a degradação da calpastatina.” Se a hipótese for comprovada, diz Rodrigues, será possível pensar no desenvolvimento de técnicas e procedimentos que estimulem na raça nelore o processo de apoptose no músculo logo após o abate, diminuindo o efeito negativo da calpastatina sobre a qualidade da carne de zebuínos. “Isso poderia ser feito com a seleção de animais com maior expressão de genes que codifiquem proteínas e estimulem a apoptose ou com tratamento que acelere esse processo biológico.”

Chip de DNA
Estudos de biologia molecular que envolvem genômica e proteômica em bovinos são realizados em vários países, como Estados Unidos, França, Itália e Austrália. Um marco dos estudos genéticos sobre bovinos foi a conclusão do sequenciamento do genoma completo do boi, em 2009, que envolveu pesquisadores de 25 países, incluindo o Brasil, e o posterior desenvolvimento de metodologias para análise e compreensão de seu funcionamento. Uma das tecnologias que surgiram é a que usa marcadores moleculares, os chamados polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs, em inglês). São variações na sequência de DNA que permitem diferenciar os indivíduos de uma espécie – ou raça, no caso – e podem estar associados a determinadas características, como maciez, por exemplo.

O primeiro chip nacional de SNPs para bovinos foi idealizado pelo grupo do veterinário José Fernando Garcia, professor da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araçatuba. “Trata-se de um teste que congrega as condições necessárias para determinar com certeza, e de forma que possa ser repetido, uma grande quantidade de marcadores específicos de DNA associados com informações que desejamos averiguar num animal”, explica. De acordo com ele, como os primeiros SNP chips desenvolvidos no mundo foram feitos com base nos genomas de animais de raças taurinas, havia alguma dificuldade no uso deles para os trabalhos de melhoramento nas raças zebuínas, comuns no Brasil.

Em parceria com empresas de melhoramento genético e análises genômicas, como a Illumina, norte-americana, que detém tecnologia para esse tipo de chip, Garcia desenvolveu, com apoio da FAPESP, um SNP chip contendo 30 mil marcadores para aplicações em raças zebuínas, que está no mercado há alguns anos. Os chips são analisados pela empresa Deoxi Biotecnologia, de Araçatuba, que foi adquirida no ano passado pela Neogen, dos Estados Unidos. Nesses dispositivos, uma gota de sangue, pelo, ou amostra de carne de um bovino é suficiente para gerar a quantidade de DNA necessária para ser colocada sobre o chip – uma lâmina com sensores nanotecnológicos –, que é submetido a processo laboratorial. O preço de cada teste varia de R$ 100 a R$ 180, dependendo do número de SNPs. “Essa tecnologia pode também ser usada para a determinação da relação de parentesco em grupos de animais”, afirma Garcia. Ela também pode ser empregada para seleção genômica, controle da endogamia, detecção de defeitos genéticos e certificação de produtos. O teste pode ainda ser usado em projetos de pesquisa para a descoberta de genes candidatos a explicar fenótipos de interesse, como maciez da carne, produção de leite, resistência a doenças, entre outros.

O maior conhecimento sobre o DNA e os SNPs tem levado ao desenvolvimento da chamada “edição genômica”, realizada com técnicas biotecnológicas que incluem uma ferramenta relativamente nova, o Conjunto de Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas (Crispr-Cas9), que permite a introdução de mutações dirigidas no genoma de um ser vivo. “Com essa técnica, se um touro com características de produção excepcionais fosse identificado como portador de uma doença hereditária, seria possível produzir um clone desse animal sem o problema, com a correção da sequência do gene ligada à enfermidade”, explica Luciana, da Embrapa. As técnicas de edição genômica também tornam possível que mutações benéficas no gene de um indivíduo sejam induzidas no DNA de outro. Um exemplo dessa aplicação vem dos Estados Unidos, onde foram produzidos dois bezerros mochos (sem chifres) da raça holandesa pela indução de mutação no gene que controla o desenvolvimento de chifres.

O grupo de Luciana descreveu também diferenças no perfil genético em animais com melhor e pior desempenho para 10 características de produção, apontando genes e vias metabólicas que têm potencial para controlar as diferenças entre os indivíduos, além das variações de número de cópias de regiões do genoma (CNV) que afetam a maciez da carne. Em projeto anterior, 800 novilhos foram acompanhados da concepção até o abate (ver Pesquisa FAPESP n° 179), e seu DNA analisado para mais de 700 mil marcadores do tipo SNP, resultando na identificação de regiões do genoma que influenciam na manifestação desses 10 atributos.

Para o estudo mais recente, a pesquisadora utiliza um rebanho da própria Embrapa com 200 animais nelore extraídos do grupo anterior de novilhos. Todos passaram pelo sequenciamento completo dos genes e proteínas que estão “funcionando” no músculo no momento do abate. “Nossos estudos já identificaram vários genes que podem ser alvos para edição do genoma”, conta Luciana. A Embrapa Pecuária Sudeste realiza esses estudos em parceria com a Embrapa Informática, de Campinas, Universidade de São Paulo (USP), as universidades norte-americanas de Iowa e do Missouri, além do Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), da Austrália. Luciana afirma que também é possível vislumbrar outras aplicações, como utilização de nutrientes ou fármacos que ativem ou inibam os processos genéticos.

Projetos
1. Bases moleculares da qualidade da carne em bovinos da raça nelore (nº 12/23638-8); Modalidade Projeto Temático; Pesquisadora responsável Luciana Correia de Almeida Regitano (Embrapa); Investimento R$ 2.688.295,06.
2. Estudos de associação genômica das características reprodutivas de touros zebuínos (Bos indicus) utilizando SNP chip de alta densidade (nº 10/52030-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável José Fernando Garcia (Unesp); Investimento R$ 338.482,64.

Fonte: Revista Pesquisa FAPESP

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