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Exposições de gado: o show paga a pena?

Exposição, Informação | 15 de Junho de 2021

Depois de mais de um ano vivendo isolados uns dos outros em função da pandemia, e seguramente, uns mais isolados e distanciados que outros, a ideia de acompanhar uma exposição dá até água na boca: vamos rever muitos amigos, prospectar alguns negócios, mudar aos ares, viajar um pouco, ver bons animais, e até dar uma olhada nos julgamentos de classificação. O que era tão rotineiro, repetitivo e até cansativo às vezes passa a ser uma grande pedida. Alguns aderem, outros ainda não consideram seguro viajar e participar de eventos, mesmo estando vacinados. O tema do artigo não é a Covid, mas não há como falar de algo, hoje em dia, sem contextualizar no cenário que vivemos. Oxalá, logo será somente uma lembrança.

Mas vamos ao tema que proponho abordar neste texto: as exposições e os julgamentos de bovinos. Já perderam, para mim, faz bom tempo, o brilho e o entusiasmo com os as pistas de exposições. Não acredito que a escolha dos campeões em uma exposição seja um método muito assertivo em selecionar os melhores pais para as próximas gerações. Não digo “desta água não beberei”, pois já participei ativamente do show nos bastidores (como parte das comissões organizadoras e técnico de admissão) e também no palco atuando como jurado de classificação em exposições importantes no RS e fora dele. Agradeço a confiança dos criadores que aprovaram a indicação do meu nome para a função. É uma distinção técnica e social ser convidado para julgar uma exposição. Nos sentimos felizes, honrados e até com o ego um pouco inflado quando recebemos esses convite. Comigo não foi diferente por certo.

Neste mês que passou, acompanhei à distância (pela internet) algumas das atividades das exposições que voltaram a ocorrer neste ano, as Nacionais das raças Hereford, Braford, Angus e Brangus. Todas ocorridas em Uruguaiana, facilitando a vida dos expositores e do público com interesse nessas raças. Pelo que li, vi e conversei com colegas, os eventos foram muito exitosos (apesar das fortes chuvas) e reuniram bom número de animais expostos, especialmente das raças Braford e Brangus. As sintéticas vêm firme e forte faz vários anos no RS. Os reprodutores destas raças vem com forte demanda no mercado e as exposições se fortalecem com mercado favorável. As transmissões das exposições (cada vez com melhor qualidade) é um fato novo e interessante que pode dar força aos eventos deste tipo. No Cavalo Crioulo, a transmissão de provas funcionais é fato velho e conhecido. Agora no gado, esta tecnologia e serviço pode dar vida nova e trazer novos formatos e conteúdos as exposições, julgamentos e leilões. Agradecimento e reconhecimento seja feito ao Canal Rural, canais de internet, profissionais da fotografia e vídeo que, faz tanto tempo, labutam pelas transmissões dos julgamentos, leilões e eventos técnicos. Não foi fácil, mas parece que a persistência desta turma somada à pandemia nos mostrou que temos que transmitir o que fazemos.

Mas Velloso, paga a pena ou não esta função de expor animais e competir?

Vamos revisar como se dão algumas coisas nas exposições e tentar chegar a alguma conclusão.

O Método – o julgamento prevê um método ou sistema muito simples. Os animais são apresentados em condições similares de criação (sem restrição alimentar), são agrupados em categorias por idade, identificados em “boxes” de menor a maior (mais jovem ao mais velho) e, assim, o jurado consegue compará-los e escolher os melhores por categoria. Ao final, reúnem-se os campeões de categoria e disputa-se o grande campeonato. Simples assim. O visual dos animais somado, a sua caminhada e as informações do catálogo (GMD, Altura, PE, situação reprodutiva, etc) são as informações que o jurado tem disponíveis para escolher o melhor de todos, desde um terneiro desmamado de 6 meses até um touro sênior de 3 anos ou mais.

O Jurado – o jurado é a grande figura do julgamento. Ele tem total liberdade para ordenar os animais nas categorias e, ao final, definir os grandes campeões. A sua decisão define tudo. Depositamos toda a nossa confiança (e trabalho) para a apreciação de uma pessoa naquele dia. Alguns têm muita formação técnica, vivência, horas de mangueira, estudaram muito sobre a produção de bovinos de corte, sobre o abate dos animais, sobre o produto final (carne). Ou seja, compreendem profundamente o impacto do tipo animal premiado com as consequências em produção animal no campo e na indústria. Outros nem tanto, mas são populares nestes eventos, são reconhecidos pelo “notório saber”, pela tradição de suas famílias, pela retórica convincente. Se for um estrangeiro, mais brilho dá ao evento. Já participei de cursos de jurados no Brasil, Argentina e Uruguai. Foi importante para minha formação. Entre os instrutores “hay de todo”. Desde os com formação técnica muito sólida, até os somente “lendários”. Os jurados erram muito? Não. Os jurados não erram. Eles são convidados para escolherem os melhores animais no seu ponto de vista e assim o fazem. Todos acertam. Os expositores que ficam muito descontentes não compreenderam que este é o sistema.

Somos omissos (especialmente as associações de raça) em discutir, definir e orientar novos jurados que características são mais importantes na comparação dos animais. Busque publicações que determinem que características são mais importantes que outras. Correção estrutural é mais importante que tamanho? O aparelho reprodutivo é mais importante que a musculosidade? A falta de gordura de cobertura é uma falta grave? Quanto grave? É mais importante ser típico ou produtivo? Não temos essas respostas. Desta forma, o que o jurado escolher está bem escolhido. Num concurso de “prendas” ou “misses”, faz diferença ser simpática? No julgamento de bovinos faz diferença. Ganha quem tem mais “expressão”, ganha a novilha mais pisteira. Ela não anda, ela desfila, ela é top, capa de revista.

Rústicos ou Argola – no julgamento de argola, os animais são apresentados individualmente e puxados (cabresteados) pelo tratador. O foco é o indivíduo. Além da necessária qualidade do animal, entra na disputa a capacidade de bem preparar o animal (toso, cascos, doma) e a habilidade em apresentar o animal na pista. O piloto ganha importância na corrida. Não adianta só bom carro. Na raça Angus, tivemos, por vários anos, um apresentador de animais apelidado de Schumacher. Não era de graça

No julgamento de rústicos, o conceito era de valorizar o conjunto de animais, ou seja, premiar os expositores que apresentassem os trios mais uniformes e de melhor qualidade. A padronização dos trios era um item a mais em comparação ao julgamento de animais de argola. Nos EUA, são populares julgamentos de Pen Bulls com 3 touros e de Car Loads com 10 touros. Faz poucos anos, iniciamos o julgamento de rústicos individuais. Nunca me alinhei muito com essa decisão. Perde-se o conceito de conjunto e uniformidade. Criam-se mais premiações que confundem a leitura das notícias. Temos o Grande Campeão Argola, o Melhor Touro Rústico PO, o Melhor Touro Rústico PC, o Campeão Rústico Individual, o Supremo Grande Campeão, etc. Haja prateleira. A meu ver, quanto mais quantidade de premiações, mais se dilui o valor do prêmio.

A Seleção Objetiva – falamos muito em seleção objetiva e avaliação genética, ou seja, animais selecionados por desempenho, os melhores de sua geração na fazenda, os melhores da safra na sua raça, os melhores em carcaça, os melhores em eficiência alimentar. Medir e identificar esses melhores animais pressupõe condições de criação iguais para os animais na fazenda e a participação de programas de melhoramento. Por mais que tentemos gerar DEPs para animais de exposições, e especialmente para os de argola, sabemos que estamos retirando esses indivíduos das condições usuais de comparação com os seus contemporâneos. Participar de exposições e fazer seleção objetiva simultaneamente é um conflito. Não dá pra ser a melhor camionete de trilha e ao mesmo tempo o melhor Formula 1.

As cabanhas campeãs das exposições ganham destaque na imprensa, nas publicações, nas redes sociais. Este marketing foi muito efetivo por muitos anos. Pode-se dizer que ainda é um pouco. Creio que cada vez menor, mas minha opinião é enviesada.

Nossos vizinhos do Uruguai e Argentina são dedicados e aficionados em exposições. Os campeões do Prado e de Palermo serão conhecidos por boa parte dos pecuaristas. Os expositores ganham reputação e fortalecem os seus remates. Nos EUA o cenário é diferente. Já não é mais tão importante ser o campeão de Denver. As cabanhas mais influentes no mercado americano não vão às exposições. O show ficou algo importante só para os jovens, e os Junior Shows são atividades para formação e convivência de jovens criadores. No Brasil e aqui no nosso Sul do mundo, tenho que as exposições tornam-se cada vez mais uma atividade de nicho, de um grupo de produtores que aprecia e valoriza essa atividade.

O expositor é um ser competitivo e se abastece das disputas, das vitórias, das quase vitórias. Não basta correr, tem de concorrer.

Já faz alguns anos que assistindo um julgamento na Expointer tive um diálogo interessante. A pessoa do meu lado na arquibancada me pediu ajuda para ler o catálogo:

P: Velloso, o que quer dizer essa coluna?

R: É a idade em dias.

Conclusão dele: “Nossa senhora! 1.000 dias comendo ração!”.

* Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Junho, 2021)

Exposições de gado: o show paga a pena?

Foto: Divulgação/Assessoria