A questão é: temos quantidade suficiente de touros melhoradores para atender a pecuária brasileira? Para responder essa pergunta, é preciso, primeiro, calcular a demanda por reprodutores no País. Isso é possível, verificando o total de fêmeas em reprodução. Para levantar esse dado, vamos calcular, primeiro, o total de matrizes inseminadas. Segundo a Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia), em 2020 foram vendidas 16,4 milhões de doses de raças de corte, 38% a mais do que no ano anterior, e coletadas para uso próprio cerca de 1,6 milhão de doses (crescimento de 5% em relação a 2019), totalizando 18 milhões doses.
Conforme os dados do Grupo Gerar, 55% das matrizes inseminadas no País recebem apenas uma dose de sêmen e 45% são ressincronizadas (duas doses). Sendo assim, as 18 milhões de doses comercializadas foram suficientes para inseminar 14 milhões de vacas de corte em 2020 (9,9 milhões com uma dose e 4,1 milhões com duas doses). Isso representa incríveis 23% das 60 milhões de matrizes do Brasil. Mas, e a demanda por touros? Vamos chegar lá. Se 14 milhões de fêmeas são inseminadas anualmente, restam 46 milhões cobertas em monta natural. Somando-se a elas as fêmeas não ressincronizadas que passam por repasse (9,9 milhões), concluímos que são expostas a touros 53,9 milhões de matrizes (88% do plantel nacional).
Qual a taxa de reposição?
Esse número é fundamental para se calcular a demanda de touros no Brasil, mas, para chegarmos a uma conclusão, precisamos saber qual proporção touro:vacas é adotada no rebanho. Muito se discute sobre este tema, mas foi a circular da Embrapa São Carlos nº 53 de 2007 (recomendamos a leitura) que nos trouxe informações úteis. Segundo esse documento, a maioria dos estudos sobre a proporção touro:vaca é pouco conclusiva, devido à
interferência de diversos fatores (índice de ciclicidade das fêmeas, duração da estação de monta, avaliação andrológica, peculiaridades do manejo e da fazenda, dentre outros), devendo-se avaliar todos eles para se definir o que funciona melhor em cada plantel.
Para prosseguir em nossos cálculos, contudo, usaremos a taxa de 1:30, ou seja, 1 touro para 30 vacas, relação comumente adotada no Brasil e considerada eficiente no estudo citado. Portanto, as quase 54 milhões de vacas em monta natural demandam 1.798.077 touros trabalhando. Próxima pergunta: qual a vida útil de um touro? Essa informação é essencial para calcularmos a demanda anual de reprodutores para reposição, mas ela também depende de vários fatores: raça, clima, peculiaridades de manejo e indivíduo, dentre outras. O exame andrológico e a avaliação visual feitos por técnicos capacitados ajudam na tarefa de se manter ou descartar um touro para monta natural. Nesta análise, usamos uma vida útil de 6 anos. Com isso, concluímos que são necessários para reposição anual no País um total de 299.679 touros.
Quantos são selecionados?
Vale ressaltar que nem todo macho registrado tem potencial genético positivo para transmitir a seus descendentes. Muitos são pioradores. Claro que a média do rebanho de seleção é melhor do que a do rebanho comercial, mas avaliar o indivíduo não apenas por seu visual, mas também por sua genética é fundamental. Nos últimos 25 anos, isso evoluiu muito. Os projetos CEIP foram criados com esse objetivo. Os programas de melhoramento certificam e os criadores oferecem ao mercado apenas os 25% melhores touros da safra. A ABCZ, também vem trabalhando nesse sentido promovendo o CSG (Certificado de superioridade genética). Já a ANC tem a famosa “dupla marca” colocada apenas nos 20% melhores após uma revisão fenotípica criteriosa. Esses são comprovadamente melhoradores.
Segundo a ANC, a “dupla marca” é colocada em aproximadamente 3.000 machos por ano. A ABCZ informa que aproximadamente 5.000 receberam o CSG no último ano. Somados aos animais CEIP, chegamos a apenas 24.640 touros certificadamente melhoradores ofertados ao mercado. O número é baixo, mas condizente com a dificuldade de se produzir touros realmente superiores. Considerando-se a disponibilidade já descrita (animais com registro ou CEIP), temos 53% da demanda atendida pelo mercado regulamentado de genética, sendo 15% de touros comprovadamente melhoradores.
Quantos são de boiada?
Os outros 47% vêm de onde? Boi de boiada seria a resposta mais simples e frequente, mas consideramos essa versão desatualizada. Os touros que estão atendendo 47% da demanda vêm de processos de seleção menos estruturados. Muitas fazendas têm seu próprio “rebanho seleção”, onde as fêmeas são inseminadas e os machos usados como touros. Às vezes, até são vendidos para os vizinhos. Temos também o uso de touros cruzados para sustentar a heterose. Também temos o “boi de boiada” aquele selecionado apenas no visual dentro de um “lote” qualquer.
Até consideramos que a intenção de quem seleciona ou quem usa esse tipo de animal seja positiva, mas, infelizmente, pouco eficaz. Até pouco tempo, dizia-se que o investimento em touros selecionados era incompatível com o preço do bezerro, mas, hoje, a realidade é diferente. Uma coisa é certa, esses touros, em sua quase totalidade, têm baixo valor genético aditivo, que trará pouco ou nenhum ganho genético à progênie. Agora, imagine a limitação de produtividade que esses touros estão impondo à produção e à produtividade da pecuária brasileira? A pecuária que visa resultado econômico, exige que a cria entregue ao menos 150 kg de bezerros desmamados por vaca exposta. Na recria-terminação, os ganhos devem ser superiores a 650 g/cab/dia e os gastos de no máximo 0,6@ por arroba produzida. Já no confinamento, o ganho de carcaça líquida deve superar 1,1 kg/cab/ dia. Qual a chance destes resultados serem conquistados por um rebanho geneticamente inferior?
O potencial de ganho em produtividade quando se investe em melhoramento genético é enorme, em comparação com outras técnicas. O pecuarista conhece muito bem o que é um gado “cabeceira, meio e fundo”. Sabe que a diferença de desempenho entre essas classificações raramente é inferior a 20%. Apesar de estarem no mesmo pasto, com a mesma nutrição e a mesma equipe, tem boi que dá lucro e outro que dá prejuízo. Estatísticas do instituto Inttegra demonstram que, para cada R$ 1 investido em genética, têm-se retorno R$ 8. Reprodutor que não contribui com o ganho genético, “de graça é caro”.
Como fazer então? Não imaginamos que todos de uma hora para outra participem do mercado regulamentado e passem a investir centenas de milhares de reais em touros de alto valor. Hoje, temos inúmeras ferramentas de seleção ofertadas a rebanhos comerciais que são fáceis de usar e demandam esforço e investimento muito favoráveis na relação custo:benefício. Associações, programas de melhoramento e empresas oferecem pacotes de serviços e orientação técnica que podem apoiar cada pecuarista a encontrar seu caminho.
Vários são os caminhos que levam à evolução genética ao rebanho, mas lembre-se que sempre existem alguns enganosos. Sugerimos que você procure um técnico especializado e avalie as opções disponíveis com base em quem já usa e obteve resultados. Tenha sempre em mente que a genética é um investimento de longo de prazo, mas que traz benefícios consistentes. Viveremos bons momentos no mercado de touros e genética nos próximos anos, com aumento de demanda. Afinal, melhoramento genético é o caminho para quem quer produzir mais e gastar menos. Certo é: precisamos de mais touros, mas estes deverão ser geneticamente superiores.
Fonte: Publicado na Revista DBO (Maio/2021)
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