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Agro-Vets: Técnico ou Comercial? Produção ou rentabilidade?

Genética, Mercado | 15 de Setembro de 2021
Por Fernando Furtado Velloso
Assessoria Agropecuária FFVelloso & Dimas Rocha

Em agosto deste ano, concluí 20 anos de formado em Medicina Veterinária. Passou muito rápido, e percebi a data em função de publicações de colegas, que postaram nas redes sociais a foto de nossa turma na escadaria da reitoria da UFRGS. Provavelmente, todas as turmas de formandos têm esse registro lá. A escadaria se presta ao momento e acolhe a todos com condição de igualdade, independente da estatura. Nas últimas semanas, estivemos também envolvidos com eleições de nosso conselho, o CRMV-RS, mais um fato que me fez pensar um pouco sobre a atuação do veterinário e demais profissionais das agrárias.

É antiga a discussão e até uma certa divisão entre os profissionais considerados mais técnicos (especialistas), mais acadêmicos (pesquisadores ou teóricos), e os mais comerciais (ou de mercado). A universidade não tem como nos preparar para tudo, especialmente no curso de Veterinária, onde as áreas de atuação são tão amplas e distintas. Mas, enquanto profissionais, podemos pensar um pouco nesse tema e no que o mercado de trabalho precisa. Em pecuária de corte ou leite, algumas áreas são eminentemente técnicas como clínica, cirurgia, reprodução, etc, porém muitas outras necessitam um profissional mais generalista e com mais atenção ao mercado, ao comércio e ao resultado financeiro do produtor rural.

Observo o processo de seleção de algumas grandes empresas de nosso setor e a certa “cara feia” que alguns colegas fazem em relação à área comercial. Mais ou menos assim é o relato: “vi a divulgação da empresa tal que está contratando veterinários, mas é para a área comercial”. Vamos direto ao ponto e não fazer muito rodeios em relação a esse assunto, pois existe, sim, alguma resistência ou preconceito, especialmente de recém-formados, com a área comercial. Se falarmos a palavra “vendas”, pior ainda fica o quadro.

Os mais diversos produtos e serviços, comercializados ao produtor, ou de produtor para produtor, necessitam de uma “venda técnica”: o sêmen, o touro, a ração, os medicamentos, as vacinas, as biotecnologias, etc. Logo, são necessários conhecimento e domínio técnico sobre o produto para que possa ser dada recomendação técnica para sua aquisição e orientação técnica para o seu uso. Se repito várias vezes a palavra “técnica”, é para grifar que as áreas comercial e técnica são afins e dependentes. Se produz para vender e vende-se corretamente com conhecimento técnico

Indo um pouco além no raciocínio, a aplicação de técnicas no campo não pode levar em conta somente o resultado biológico ou produtivo esperado, mas sempre a relação da produção e de seu resultado econômico. A visão demasiadamente restrita a quesitos técnicos e a desconsideração do equilíbrio da relação custo:benefício pode levar rapidamente propriedades saudáveis economicamente a quadros de caixa negativo e endividamento. Os antigos já diziam - e segue valendo: “agrônomo, veterinário e avião quebram rapidinho uma fazenda boa”. Pode parecer uma citação um pouco fora da sequência de meu texto, mas assim como há alguma visão pejorativa em relação ao profissional que trabalha na área comercial, é possível também que o extremamente técnico leve insucesso ao seu cliente.

Na minha trajetória profissional, sempre atuei na área técnica e comercial. Auxiliei e sigo auxiliando criadores a produzir e selecionar reprodutores, mas também em vendê-los nas diferentes modalidades possíveis (venda direta, leilões, etc). Sempre me preocupei em buscar animais que sejam produtivos ao pecuarista, mas também que estejam alinhados com o que o mercado nos sinaliza. O touro tem uma tarefa muito complexa, pois precisa atender a necessidades do criador, da indústria (frigorífico) e do consumidor de carne. O vendedor de touros que desconsidera essas premissas, mais cedo ou mais tarde, perde mercado, e assim já vimos algumas cabanhas e raças saírem do palco.

A nossa empresa sempre foi clara em informar que atuamos com atenção na produção e comercialização de reprodutores. Em quase todas nossas publicações consta: Assessoria Agropecuária FFVelloso & Dimas Rocha: suporte técnico e comercial a produtores e usuários de genética. Se atuamos na comercialização ou na intermediação de genética, não omitimos isso de quem nos contrata. Mas ainda é melhor aceito por alguns que a intermediação seja feita de forma “discreta” ou mais “reservada”. Ainda outros preferem uma intermediação que chamo de “eufêmica”, que ocorre sem parecer que ocorreu. Tipo aquele envelope que os nossos avós nos dão no Natal: “guarda no bolso e depois olha em casa meu filho”

Por motivos que ainda precisamos compreender, o comércio ainda é visto com reservas e maus olhos por muitas pessoas. Talvez por acharem que a atividade não é das mais dignas, que a ética e a correção dos técnicos serão perdidas quando entrarem temas comerciais na pauta, que os profissionais não saberão bem delimitar onde acaba o técnico e começa o comercial, e onde técnico e comercial estão unidos.

Passados 20 de anos de minha formatura, ainda ouço me dizerem: tal pessoa tem ótimo currículo e vivência profissional, mas tem envolvimento na área comercial e terá conflito com a atividade técnica que estamos propondo. Curiosamente (ou nem tanto), algumas destas pessoas que já questionaram ou criticaram o nosso trabalho por ter atuação na área comercial, em algum momento, nos procuram. Não precisa ser adivinho para saber que serviço buscam: auxílio para a venda de seus animais.

* Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Setembro, 2021)

Agro-Vets: Técnico ou Comercial? Produção ou rentabilidade?

Foto: Divulgação/Assessoria

Agro-Vets: Técnico ou Comercial? Produção ou rentabilidade?

Foto: Divulgação/Assessoria