Por Fernando Furtado Velloso
Assessoria Agropecuária FFVelloso & Dimas Rocha
Os produtores de genética (touros) usam vários métodos, tecnologias e fases nos programas de seleção. Geralmente, são considerados o visual (conformação e biótipo), a genealogia (linhagens e famílias), os dados de desempenho na fazenda (índices internos), os dados da avaliação genética (DEPs que comparam os animais com os de outros rebanhos), a ultrassonográfica de carcaças (musculatura e gordura) e, mais recentemente, a genômica.
Neste artigo, tentarei abordar o uso da informação da ultrassonografia de carcaças pelos produtores de genética, e especialmente, pelo produtor comercial. As informações relativas à musculatura (AOL – Área de Olho de Lombo ou Rib Eye), da cobertura de gordura (EGS – Espessura de Gordura Subcutânea), e do marmoreio (GIM – Gordura Intramuscular) estão disponíveis na compra de touros, e principalmente na escolha de sêmen. Em alguns momentos, essas informações estão sendo desconsideradas e em outros casos até mesmo supervalorizadas. Vamos, então, ao desafio de discutir como usar as informações de gordura e marmoreio para nossas tomadas de decisão em genética.
A raça Angus é, sem dúvidas, a que mais contribuiu nos últimos anos com informação e tecnologia para características de carcaça e qualidade de carne. Vamos tomá-la como base de nosso texto, mas os conceitos aplicam-se da mesma forma a outras raças.
GORDURA DE COBERTURA
A cobertura de gordura, expressa pela EGS, traz-nos muita informação do tipo animal e do sistema de produção mais apropriado ao seu uso. A gordura não nos traz somente informações sobre o tipo de carcaça que será produzido, mas também é possível relacionar ao biótipo animal (precoce ou tardio), ao desempenho e à eficiência reprodutiva e ao custo de manutenção dos animais relacionado ao seu tamanho e peso adultos. Normalmente só relacionamos a gordura com a possibilidade de abater ou não os animais, de classificá-los ou não em programas de carne de qualidade, porém, a influência da presença de mais ou menos gordura nos animais tem impactos produtivos mais amplos que o produto final.
Para a leitura de DEPs de EGS de touros, temos de estar atentos à fonte da informação. No Brasil, as DEPs de EGS correspondem positivamente com a presença de gordura, ou seja, animais TOP 2, 5 ou 10% EGS apresentam maior cobertura de gordura; são os mais gordos. Nos EUA (principal fonte de genética Angus para o mundo), as DEPS de EGS são expressas de forma inversa e touros TOP 2, 5 ou 10% para FAT são os mais “negativos” para gordura, são os mais magros. Essa é a característica buscada no sistema de terminação americano. Explico: o sistema de classificação de carcaças dos EUA é mais complexo que o nosso e a gordura não é avaliada isoladamente, mas sim de forma conjunta com a musculatura (relação músculo : gordura, compondo o Yied Grade). Dessa forma, são buscados animais com cobertura de gordura suficiente, porém, sem excessos em relação ao músculo. De outra parte, praticamente, a totalidade dos animais é terminada em sistema de confinamento. No Brasil, avaliamos ainda a gordura como um item isolado e a busca é por animais que alcancem um mínimo de cobertura de gordura nas carcaças, usualmente entre 3 e 6 mm bem distribuídos em toda carcaça (estimado de forma visual). Nos EUA, os animais são abatidos bem mais gordos que no Brasil e penalizam-se animais excessivamente gordos. No Brasil, os animais são abatidos muitas vezes faltando terminação e as indústrias penalizam falta de gordura (ausente ou escassa). Outro dia, ouvi um ditado aqui no Rio Grande: os produtores se “aprontam” antes dos novilhos. Dessa forma, é importante ler um catálogo de sêmen e compreender o que é considerado TOP nos EUA e no Brasil.
Quando usamos reprodutores com grande facilidade de deposição de gordura, direcionamos a genética dos animais para facilidade de engorda, menores pesos de abate, fêmeas mais precoces sexualmente, etc., ou seja, o biótipo mais adequado para sistemas de produção a pasto ou com algum nível de restrição alimentar. No uso de touros negativos para gordura, direcionamos a genética para animais com engorde tardio, maior potencial de crescimento e maiores pesos de abate, fêmeas menos precoces sexualmente e matrizes mais exigentes nutricionalmente. Pode ser uma boa opção para animais que serão terminados em confinamento com dietas de alto teor energético. Pode ser discutível reter as filhas desses animais para uso como matrizes.
MARMOREIO
A gordura intramuscular, ou marmoreio, é o grande diferencial das raças britânicas e da qualidade de sua carne. Já está muito bem demonstrando pela ciência e pelo mercado que existe grande correlação entre marmoreio e o nível de satisfação dos consumidores. A maioria dos programas e marcas de carne Premium vende o marmoreio como diferencial de imagem e qualidade.
Voltando aos EUA, é importante compreender que no sistema de classificação deles as carcaças são avaliadas e remuneradas para marmoreio diariamente. Dessa forma, a presença e o nível de marmoreio afetam a remuneração do pecuarista e definem se a carne será CHOICE ou PRIME. Somente são aprovadas na Carne Angus dos EUA (Certified Angus Beef) carcaças com marmoreio. Nas publicações de DEPs americanas, o marmoreio e a gordura integram os índices econômicos e de carcaça orientados para esse fim.
No Brasil, o marmoreio não é avaliado nas carcaças como rotina de classificação e somente é considerado em programas especiais, particulares ou em algumas marcas de carne, mas essa situação é exceção à regra. Temos uma limitação prática também relacionada ao corte das carcaças em nossos frigoríficos, pois o realizamos na 5ª costela. Nos EUA, é realizado na 12ª costela e esse ponto é o apropriado para avaliação do marmoreio na musculatura do lombo. Em função dessa situação, atualmente, o marmoreio tem sido avaliado somente via ultrassonografia em animais vivos em programas de melhoramento ou em abates de programas de carnes especiais.
Não tenho dúvidas de que os produtores de genética (selecionadores) devem buscar touros com marmoreio e monitorar a característica no rebanho através da ultrassonografia. A genômica pode também auxiliar em identificar animais superiores para a característica nos plantéis. O marmoreio é uma característica que diferencia as raças Angus/Hereford e seus derivados das demais raças europeias e zebuínas. É recomendável o empenho para ampliar a frequência desses genes nos plantéis produtores de genética. A raça Nelore vem buscando identificar e selecionar animais superiores em marmoreio (Ex.: Nelore Golias) e essa situação deve servir como alerta e estímulo aos selecionadores de raças britânicas. Considerar-se “deitado eternamente em berço esplêndido” não me parece uma postura muito segura.
Para os produtores de gado comercial, considerar e compreender os impactos de mais ou menos gordura nas carcaças é algo muito importante e com grande impacto no desempenho animal. Entender, interpretar e eleger genética usando o critério “cobertura de gordura” faz todo o sentido e é necessário. A presença ou não de marmoreio na genética dos pais passa a um segundo nível de importância e está mais relacionada ao compromisso de produzir carne de qualidade do que ao impacto em remuneração e resultado econômico da atividade. Espero que logo essa minha afirmativa fique defasada.
* Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Dezembro 2016)