Os touros nacionais vêm lutando com pouca munição, faca pitoca ou quase só com o cabo da adaga. Esse é o cenário, pelo menos, nas exposições das raças mais influentes na pecuária do Sul: Angus, Brangus e Braford.
Pelo hábito e gosto por rabiscar, escrever e fazer contas simples, me dediquei a tabular o número de filhos de pais nacionais e importados nas recentes exposições de outono das raças já citadas. Muitas pessoas devem achar desnecessário este tipo de contagem, pois temos boa noção de como está o quadro, mas os números podem falar mais do que nós. Muitas vezes, o saldo da conta corrente está negativo, mas é importante saber o quanto negativo está. Já estourou o cheque especial? Pode estar em tempo de tomar alguma medida, renegociar os juros ou pedir alguma luz ao gerente do banco.
De forma muito simples, publiquei estas listinhas na internet, sem muita explicação e tentativa de análise. Os números falam sozinhos. Fiquei surpreso em receber várias mensagens de pessoas que também se sentiam desconfortáveis com o que os números indicavam. Já não fico surpreso com muita coisa, mas me surpreendeu o número de contatos e considerações de criadores. Fiquei com aquela sensação de um assunto de que todos nós sabemos, todavia preferimos nem falar mais sobre ele. Tipo aquela máxima antiga sobre custos: “pah, se eu for contabilizar ‘direitinho’ os custos desta atividade, eu paro; então, melhor nem olhar”. Li, recentemente, que quem sabe ler e não lê, é igual ao que não sabe ler. Na internet, o pensamento tem vários autores possíveis, mas vou creditá-lo ao Mário Quintana (1906-1994), pelo dever do bairrismo.
Sem pretensão de exatidão, é possível afirmar que os touros nacionais tinham menos de 25% dos filhos expostos nas recentes Expo Outono Uruguaiana (Angus e Brangus) e na Exposição Nacional Hereford e Braford, em Bagé.
Não entendi, Velloso, na Exposição Nacional, o que menos se tem são filhos de pais nacionais? “Tá” correto isso que estou falando? R.: Sim, está correto! Vamos tentar entender (ou não) nas próximas linhas.
As exposições que cito aqui foram exitosas, com muito bons números de animais, expositores e interessados nas raças. Ocorreram leilões particulares e das entidades. Ponto para os organizadores! Entretanto, os animais expostos eram majoritariamente filhos de pais importados ou, até mesmo, embriões importados. Aí nem a mãe é nossa.
Raça |
Animais expostos |
Filhos de touros nacionais |
ANGUS |
120 |
18% |
BRANGUS |
225 |
24% |
BRAFORD |
210 |
23% |
Total |
555 |
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*Fonte: anotações de catálogos de julgamento e números “arredondados”
Novamente, reforço: não se prenda à exatidão dos números de animais ou percentuais, mas à ordem de grandeza. A amostra é de mais de 500 animais. É bastante em qualquer lugar. Refazendo essa contagem com mais método e verificações, não irá mudar a dimensão do problema. Se é que o tema é visto como problema.
No caso do Braford, somente um touro argentino apresentou mais de 80 filhos. Ele sozinho poderia fazer uma exposição toda. Já saberíamos - de antemão - o Grande Campeão, o Reservado e o Terceiro Melhor.
Aos que apreciam minimamente os números, fica bastante fácil concluir que touros com mais filhos têm maior chance de vencerem as exposições. Se 70% ou 80% dos animais expostos são filhos de pais argentinos (Brangus e Braford) ou americanos (Angus), já sabemos que o nosso cavalinho brasileiro largou bem atrasado no páreo. Até me lembra dos cavalinhos do Fantástico naquele grupinho do rebaixamento.
Perguntei para alguns expositores sobre algum pai nacional no catálogo que eu não conhecia. Alguns me responderam: “inseminei por duas ou três vezes a novilha com um touro importado e acabei optando por emprenhar com um touro lá de casa, pra não perder a idade limite da fêmea prenhe nas exposições. Aí nasceu esse terneiro bom aí.” Pobre touro nacional, dança só no final da festa.
Os motivos para usarmos mais os pais nacionais são variados; eles foram selecionados em nosso ambiente, sistema de produção e mercado. Eles lutaram contra o nosso carrapato, Capim Annoni, geada e sol forte. Eles conhecem melhor do que ninguém os nossos vermes e moscas. Se nada disso for suficiente, eles fortalecem o PIB da genética nacional, desde o produtor de touros, associações de raças, programas de melhoramento e centrais de inseminação. Estamos vivendo, na política, uma boa onda patriota, porém nos falta mais patriotismo também em nossos plantéis. No cenário atual, a riqueza está indo pra onde? Este negócio é bom pra quem?
Velloso, deixar um jurado “experto” escolher os melhores animais e definir o quanto exitosa é a minha criação é um bom sistema? Bom, aí entramos noutro tema que merece outra coluna. Adiantando o que penso, me parece transferir muita responsabilidade sobre o nosso negócio para outrem.
Em 2023, a Associação Brasileira de Angus comemora 60 anos. A ABHB já vai para os 65 anos e a Brangus perto dos 45 anos de atuação. Já temos tempo suficiente, trabalho, experiência e competência para usarmos mais os nossos melhores touros. Eles podem vir das pistas de julgamento ou dos programas de melhoramento, mas seguramente eles já estão entre nós.
* Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Junho, 2023)