Fornecedores da genética predominante no país sentem o baque da virada do ciclo pecuário e do contexto político-econômico nacional, mas eles apostam na atividade com a certeza de uma virada ainda no curto prazo. A hora é de cinto apertado e olhar no futuro
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte” e também um crente. Assim se pode definir aqueles que produzem competitivamente no cerrado, semiárido e outros biomas brasileiros. Para eles, 2022 assustou e 2023 é tempo de “apertar o cinto”; mas, de 2024 em diante, a expectativa é de colheita farta do esforço que se faz no aqui e agora.
Ninguém discorda que 2022 fechou com cortinas negras para os vendedores de genética melhoradora. Contudo, importantes agentes entre os zebuínos mostram-se mais antenados nas oscilações de mercado. O “TOP 100” de 2023 aponta que os preços caíram mais do que a demanda de reprodutores em si.
O levantamento de zebuínos é fruto de uma parceria entre a consultoria “Brasil com Z” e a Revista AG PEC, nos moldes do projeto realizado nos Estados Unidos, chamado “Seed Stock”. Esta é a oitava edição do certame, cujo objetivo é tornar público os maiores vendedores de touros do Brasil, divididos em duas etapas: uma para taurinos; outra para zebuínos.
Para se chegar aos números aqui apresentados, os criadores responderam a perguntas sobre quantos touros venderam em 2022, de quais raças, a forma de comercialização (se em leilões próprios, de terceiros ou venda direta) e se participam de programas de melhoramento genético. As raças envolvidas são Nelore, Guzerá, Brahman, Tabapuã, Sindi e Indubrasil.
Ranking de zebuínos
A adesão dos criadores é voluntária. Excepcionalmente, um ou outro criatório representativo pode não ter atendido ao chamado de participação. De qualquer forma, na avaliação de Willian Koury Filho, zootecnista e diretor da Brasil com Z, responsável pelo levantamento, “o mercado começou firme em 2022, bambeando no quarto trimestre e sinalizando um novo ciclo de baixa na atividade”, explica.
Mas, para o técnico, a coisa só pegou em 2023 - consequência do contexto político e do fato de o mercado de touros andar de mãos dadas com a produção de carne. “Estes touros produzem bezerros que refletem – como potenciais bois terminados no futuro – a necessidade de consumo, exatamente a lei de oferta e procura. Se não há tanta fome ou possibilidade de comer carne bovina, sobra bife no prato”, explica.
Na avaliação de Koury, esse TOP 100 ainda reflete uma timidez na adesão ao levantamento. Para ele, “o momento tira o foco do produtor – ainda mais voltado às coisas da fazenda – esquecendo-se de assuntos mais institucionais como ‘comunicação’ de suas vendas, exceto os líderes de mercado”. Para esses, é importante marcar posição. “É preciso entender isso para compreender os números”, reforça.
Assim há uma realidade refletida nos dados apurados entre os 30 principais fornecedores de touros. Em 2022, foram vendidos 13.253 reprodutores, quase 18% menos que 2021, quando foram negociados 16.105 deles. Entre os dez primeiros do ranking, no mesmo período, 9.724 cabeças foram a comércio, um encolhimento de apenas 6% frente a um volume anterior de 10.384 touros.
Apurando as raças, a exemplo do TOP 100 2022, o Nelore, com suas variedades padrão, mocha e portador de Certificado Especial de Identificação e Produção (CEIP), manteve o brilho e liderou os negócios. Foram comercializados 7.902, 967 e 3.862 touros, em suas categorias, respectivamente. A representatividade das outras raças, considerando apenas as respostas recebidas, não foi significativa em relação ao volume total.
Entre os principais fornecedores de touros apontados, alguns posicionamentos dos porta-vozes das propriedades foram comuns como a chegada de um novo ciclo de preços, a interferência política na pecuária e o alto custo dos insumos registrados em 2022. Contudo, o notável foi a posição uníssona de manter o foco no fornecimento do insumo genética.
TOP 1 - Nelore Grendene
Abrindo o top cinco dos maiores vendedores de touros zebuínos do Brasil, vem o Nelore Grendene, marca da Grupo Grendene, com sede na Fazenda Ressaca, no município de Cáceres (MT). Ela assumiu a liderança com 1.580 animais vendidos, 16% menos que em 2021, quando comercializou 1.890 reprodutores Nelore PO.
Para Ilson Corrêa, diretor de Pecuária da Nelore Grendene, a exemplo do que foram os anos de 2020 e 2021, 2022 foi muito bom para o setor. O que aconteceu, porém, é que, no final de setembro e começo de outubro, o mercado degringolou. “Muito por influência política, criou-se um ambiente carregado, todo mundo em modo de espera, com grande insegurança e investimentos zerados”, avaliou.
Então, o mercado de touros acompanhou a tendência. “Em termos de liquidez foi horrível, tanto que reduzimos nossa oferta. Contudo, quem vendeu até setembro o fez muito bem”, avalia Corrêa. A média dos touros da marca até aquele momento ficou na casa de R$ 24 mil; só que o leilão de novembro acompanhou as tendências de queda de outros criatórios pelo país.
Para o executivo, esse ciclo de baixa é “recorrente”. Todo agente da cadeia sabe que, a cada quatro ou cinco anos, ele acontece. “Todavia, este último se misturou com política e se tornou mais dolorido. Mas quem é da pecuária já passou por isso e sabe que ali na frente as coisas melhoram”, enfatiza.
Na percepção dele, já há sinais positivos. Para o diretor de Pecuária da Nelore Grendene, no mês de julho, haverá reação, pois os insumos estão com preços baixando, como o milho por R$ 35/saca e a soja por R$ 100/saca, por exemplo. “Entendo que toda a economia passa por acomodação; logo, tudo é questão de acreditar e trabalhar para estar bem logo ali na frente”, acredita. Em 2023, “nossa produção de touros deve crescer, pelo menos, 10%”, planeja.
TOP 2 - Agropecuária Jacarezinho
Na vice-liderança do top cinco, vem a Agropecuária Jacarezinho, o criatório líder do último TOP 100 Zebuínos (2022), referente ao desempenho de 2021. Em 2022, suas propriedades na Bahia e Mato Grosso desovaram produção de 1.452 reprodutores, queda de 42% em relação aos 2.514 negociados em 2022. Em números, é a maior redução entre os principais vendedores do produto.
Para Lucas Motta, zootecnista e gerente comercial da empresa, ao final de 2023, todos entenderão que 2022 foi um ano bem mais “desafiador”. Ele explica que, em 2021, a arroba do boi gordo oscilou entre R$ 280 e R$ 310, caindo substancialmente ano passado, início do ciclo de baixa de preços. Motta salienta que o primeiro ano desses períodos sempre são mais duros.
Uma das consequências imediatas é o “desânimo”, que acaba envolvendo os usuários de touros. Eles param de investir em produtos com um valor agregado maior. Ainda assim, para Motta, o ciclo de baixa não muda “o negócio” pecuário. Só que o cliente que comprava 30 touros, agora leva só dez.
Então, “a comercialização é a mesma, porém, com volume e preços médios menores. As cotações caem quase na mesma proporção da arroba, dependendo da praça. Mas a Jacarezinho tem por filosofia ser parceira de seus clientes; logo, continua atendendo da melhor forma possível, sempre oferecendo o melhor produto”, explica.
TOP 3 - Katayama Pecuária
A terceira posição do levantamento é da Katayama Pecuária, uma estreante na posição. A seleção da marca comercializou 1.281 touros na temporada passada. Para a Gilson Katayama, sócio-diretor, apesar do início do ciclo de baixa, 2022 foi um ano de liquidez importante. “Tivemos bastante sucesso no nosso leilão de agosto, negociando toda a nossa oferta”, ratifica.
Segundo ele, em setembro, a demanda desabou, causando muita preocupação. No entanto, destaca que, mesmo assim, no ano passado, as metas foram cumpridas, inclusive nos negócios diretos na fazenda, o que permitiu formar alguma reserva. “Agora é viver uma temporada com preços bastante pressionados”, lamenta.
O empresário rural, também atuante na avicultura, manterá a programação de vendas, tendo como ponto alto a promoção de agosto, com o mesmo volume de produtos do ano passado. “Percebemos um cenário crítico, mas entendemos que é na crise que se investe para crescer. Depois de toda tormenta, vem a bonança”, pontua.
Katayama é enfático no compromisso de seguir firme no melhoramento genético de seus bovinos, o que, para sua satisfação, mostra-se bastante “consistente e acelerado. O objetivo contínuo é oferecer ao mercado animais comprovadamente melhoradores, com extrema confiabilidade de desempenho”.
A Katayama acredita no agro, na pecuária e no Brasil como grande fornecedor de alimentos para o mundo. No seu leque de produtos, além de touros, disponibiliza sêmen e matrizes. A empresa é verticalizada, com operação de cria, recria e engorda, e dispõe de confinamento tanto para o preparo de animais de venda quanto para terminação visando ao abate.
TOP 4 - Grupo Rezende
Na quarta colocação, está o Grupo Rezende, com 1.212 reprodutores no mercado. Apesar de ter caído uma posição em relação às vendas, a produção manteve-se estável. Para Antônio Rezende, sócio-diretor, “vivemos o ciclo de baixa de preços desde o último trimestre de outubro, novembro e dezembro, com sobreoferta de todos os produtos da fazenda”.
Ele é mais um a salientar o excesso de bezerros, matrizes e bovinos terminados e a engordar. Nesse quadro, os preços caem mesmo, inclusive dos reprodutores, enquanto o mercado se reacomoda à conjuntura. “De qualquer forma, temos 1 mil touros para vender em leilão, neste ano, e mais uns 200 diretamente na fazenda”, anuncia.
A primeira venda da seleção, informa, já aconteceu e registrou “bastante liquidez”. O preço equivalente em arrobas de boi gordo mostrou valorização, na faixa entre 65 e 66@. “Eu prefiro chamar a atenção ao fato de que o bezerro gerado nessa próxima estação de monta é aquele que será bem mais valorizado em 2025”, aponta.
Para ele, isso significa a necessidade de “seguir contra o fluxo”, acreditando no negócio para sobreviver à adversidade. O que acontece não é novidade. “O alento está em perceber que também o preço dos insumos está em queda, fato que se refletirá mais fortemente logo mais na frente, já que a operação de agora já estava planejada e contratada”, explica Rezende.
TOP 5 - Agro-Pecuária CFM
A CFM atua na pecuária brasileira há mais de um século e já passou por diversos ciclos pecuários. Esses movimentos de alta e baixa são vistos como naturais e esperados. Em 2022, a marca comercializou 1.131 reprodutores, praticamente estável frente a 2021, quando negociou 1.119 animais.
Para Tamires Miranda Neto, gerente de Pecuária, do ponto de vista da empresa, o ano passado foi bom para a venda de touros. “Comercializamos 100% da nossa safra em três leilões e também com vendas diretas na fazenda. O volume total ficou levemente acima do observado em 2021 (+1,1%) e as receitas superaram nossas expectativas para o ano”.
Apesar dos bons resultados, houve recuo nos preços, movimento já esperado como reflexo da queda nas cotações do bezerro que se iniciou ainda em 2021. Se 2022 teve maior oferta de bezerros, naturalmente 2023 traria grande volume de gado para abate, deprimindo as cotações da arroba.
“E é esse movimento que estamos vivenciando. Apesar de as exportações se manterem aquecidas, o mercado ainda recua, puxado pela queda de preços do boi gordo. A boa notícia é que a fase ruim não deve perdurar. O maior descarte de fêmeas em 2023 já trará menor oferta de bezerros em 2024, dando início a uma nova fase do ciclo pecuário”, conclui.
* Publicado na Revista AG (Julho, 2023)