Nesta Expointer 2023, a Associação Brasileira de Angus comemorou os 60 anos de fundação e os 20 anos do Programa Carne Angus. A festa, no Leopoldina Juvenil, foi à altura dos feitos da entidade e do seu filho mais importante, regada a bons vinhos e cheia de gente bonita e bem penteada. Até me excedi nos etílicos, embalado pelo momento tão feliz pra mim. Não farei coluna social aqui, mas quero aproveitar o tema pra escrever algumas memórias, reflexões e provocações.
Tive a sorte de viver a história da Carne Angus no Brasil desde o nascedouro. Comecei a trabalhar na entidade em 2001, por indicação do prof. Ricardo Gregory, que me apadrinhou na faculdade de Veterinária como orientador de iniciação científica (CNPq) e me encaminhou para uma seleção a um novo cargo na Angus, o de Departamento Técnico ou algo parecido. “Velloso, procura o Salvador e te candidata a uma seleção que eles vão fazer. Entendi que precisam de um veterinário para despachar na sede”, assim me falou o prof. Gregory. Fui adiante. Passei por entrevista com o Dr. João Vieira de Macedo Neto (Macedinho) e com Reynaldo Titoff Salvador, vice-presidente na gestão do Dr. José Roberto Pires Weber. E já estou fazendo um texto cheio de “doutores” pra lá e pra cá como não gosto muito. Mas, especialmente, a distância da idade me obriga. Passei na tal seleção (não sei se havia muitos candidatos). O Dr. Macedinho me perguntou se eu podia iniciar no outro dia. Tinha a minha formatura naquela noite. Ele me liberou para começar no outro dia à tarde. Em 02/08/2001, a ABA passou a ter 3 funcionários: Helena, Tanise e Velloso.
O Programa Carne Angus já era um objetivo da associação desde que cheguei por lá. Os diretores discutiam muito o assunto, era necessário iniciar; a raça estava em expansão vigorosa naquele momento, praticamente crescimento chinês! A venda de sêmen tinha fermento sem fim. Os criadores falavam mais de Red Angus do que de Angus. “Eu sou criador de Red”, diziam. Atendi ao telefone e me perguntaram: “É da Red Angus Collares?”. O momento era ótimo, mas trabalhávamos com a raça da melhor carne do mundo e não tínhamos o produto para vender. Recordo do lançamento, na Agrishow (Ribeirão Preto/SP), em 2001 ou 2002, do Red Beef Conection: Chalet Agropecuária e Lagoa da Serra eram parceiras para a produção de carne Angus com animais cruzados, mas não decolou. Era um projeto independente e que contribuiu com a promoção da raça e da carne Angus naquele momento. A Red Angus Beef MC também ajudou a falarmos mais sobre Carne Angus.
O Frigorífico Mercosul autorizou que a Angus acompanhasse diariamente os abates da planta de Bagé (RS). O objetivo era saber a participação de animais Angus. A Vivian Potter supervisionava o trabalho do médico veterinário João Souza, que tabulava diariamente o número de Angus abatidos. Recebíamos as planilhas, muito curiosos pelos dados por fax e depois por e-mail. Angus era pouco; Angus jovem, menos; Angus jovem e gordo era mosca branca. Mesmo com números pouco promissores, com porcentagem muito baixa de animais Angus na matança, o Mercosul decidiu apostar no trabalho com a associação, e começamos o Programa Carne Angus em 2003. Ingressou no time a Ana Doralina Menezes (indicada pelo Técnico Luiz Walter Ribeiro). Entrevistei a Ana na Padaria Modelo e mais uma conversa no posto Ipiranga, em Bagé. E já saiu trabalhando. Ela supervisionava a desossa e, hoje, é a nossa gerente do programa. Todos os elogios são poucos ao Sr. Mauro Pilz, diretor do Mercosul, que teve a coragem de divulgar publicamente que a compra de gado daria prioridade e preço diferenciado ao gado Angus. Deve ter comprado briga com alguns setores, mas tomou a decisão que fez o programa acontecer e que mudou o padrão do gado gaúcho. O normal eram lotes despadronizados em raça nas mangueiras dos frigoríficos e, por consequência, no produto final também. Atualmente, lotes padronizados nas feiras de terneiros são a maioria. O rebanho gaúcho mudou completamente (pra melhor).
O Programa Carne Angus foi ganhando corpo no RS. O Mercosul foi ampliando as plantas com certificação. O supermercado Zaffari aderiu ao programa e lançamos a primeira marca Angus com certificação: a Zaffari Angus®. Ir às lojas de Porto Alegre e ver o produto nas gôndolas do supermercado com espaço e identificações especiais era um orgulho para os produtores. O projeto virou programa e só cresceu. A Carne Angus representava parte do sonho do gaúcho em produzir carne diferenciada, similar à da Argentina. Veio o primeiro restaurante parceiro, o Barranco. O sr. Elson Furini nos apoiou e nos ensinou muita coisa sobre a carne e o restaurante. No cardápio, havia página especial para os cortes Angus, com o selo de certificação. Mesmo não estando disponível em alguns momentos.
Em 2004, o sr. José Paulo Cairoli assumiu a presidência da Angus, focado em ampliar o programa para outros estados. Aprendi muito com ele nos quatro anos em que trabalhamos juntos. Passei a transitar muito mais fora do estado e do Brasil. “Velloso, vai entender como é o negócio da Carne Angus na Argentina e nos outros lugares que precisar”. Também dizia “vai quantas vezes precisar a SP pra gente fechar logo com Bertin, Marfrig, etc”. Até numa crise do meu casamento ele ajudou a intervir no momento certo. Causos...
Em 2007, visitei o Programa Carne Angus nos EUA (Wooster, Ohio), a convite do dr. Leo Warszawsky, da empresa Semeia. “Velloso, tu tens que conhecer o CAB e o Roy Wallace. Aí tu vais voltar preparado para o teu trabalho”. Quando falo convite, me refiro ao custeio da minha viagem (justiça seja feita). Quando vi os novilhos nos confinamentos, as carcaças na indústria e a carne americana, eu entendi bem o significado que uma “coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa bem diferente”. Estávamos “lejos” atrás do programa que os americanos criaram em 1978 e tornaram a raça líder no mundo. A Carne Angus, nos EUA, era o conceito de excelência na prática, desde genética, produção, certificação, marketing, etc.
Ainda em 2007, começamos a certificação no Marfrig, em SP, com animais F1 e inteiros. Discutiu-se bastante que era muita mudança junto, aumentar o percentual zebuíno e ainda com animais inteiros. Mas, assim foi e, para contornar as perdas de qualidade na carne, restringimos mais a idade. Os machos inteiros somente dente de leite. Depois do início com o Marfrig (Promissão/SP), o crescimento do programa até assustou. Novas plantas, novos parceiros, novos projetos e tudo ao mesmo tempo. A certificação de animais F1 levou o abate anual a quase 500 mil animais em 2016. Não era mais um negócio só da gauchada. Olhando pra trás, tenho dúvidas se esta decisão de certificar o F1 foi a melhor estratégia. O programa tomou dimensão nacional, mas a demanda por touros não acompanhou esse processo, pois o F1 é feito por inseminação artificial. Cresceu o negócio da raça e da carne, mas não o negócio do criador de Angus. O sul - que era o foco ou o local ideal à produção de carne Angus - virou secundário. Vi carne Angus de Minas Gerais no restaurante Raabelândia em Pântano Grande (RS) e nos supermercados do litoral gaúcho. Misto de alegria e tristeza.
Faz poucos meses que visitei o Frigorífico Coqueiro, em São Lourenço (RS), e me alegrei vendo praticamente 100% de animais Angus no abate. Eu havia procurado pelo Luiz Saafeld (Luizinho) faz vários anos (antes de 2010) para falarmos sobre a certificação e ele me respondeu que ainda não era o momento. Mas agora é. Observei com satisfação a produção da linha Angus Gold (superior em marmoreio), pois é um item que ainda não fazia parte da certificação. Na VPJ Alimentos e no Coqueiro, essa linha é produzida continuamente. Desconheço se outras indústrias o fazem. O importante é aplaudir mais esse passo dado. Traduzi um texto e sugiro que busquem: O marmoreio é a âncora (Drovers Magazine, Out/22). Esse é o “ás de ouro” do Angus.
Em tempo: a Associação Brasileira de Angus foi fundada em 20/09/1963, em Uruguaiana/RS. Não vamos nos esquecer dessa data. Salve, 20 de setembro!
* Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Setembro, 2023)