A comercialização de reprodutores, especialmente de touros, é assunto que me interessa há um bom tempo. Digamos que há mais de 20 anos. A produção e a seleção de touros são atividades bonitas e complexas, mas, se não redundarem em comercialização satisfatória, perde-se muito o sentido de ter vacas registradas, participar de programas de melhoramento genético, fazer medições, pesagens, genômicas, etc. Salvo raríssimas exceções, nas quais o objetivo da produção de reprodutores é para uso próprio, em rebanhos muito grandes que demandam alta reposição anualmente. Mesmo assim, este perfil de selecionador acaba ofertando produtos no mercado e busca também valor adequado a ele. Concordam?
Costumo ouvir que o mercado de touros está saturado, especialmente de taurinos. Que existem muitas cabanhas novas e que todo mundo quer ser cabanheiro. Como se antiguidade na atividade fosse posto, tipo sócio remido do clube. Neste caso, do Clube Comercial. Eu não concordo com a afirmação de que existem muitos touros sendo ofertados. Penso o contrário: poucos deles estão sendo comprados. Basta fazer aquela continha rápida do número de matrizes no seu estado, ou no Brasil, e calcular a necessidade teórica de renovação de touros.
Vamos ao famoso cálculo feito no guardanapo, considerando o RS, e tudo bem arredondado:
- Rebanho bovino – 12 milhões
- Fêmeas acima de 24 meses – 5,5 milhões
- Necessidade total de touros – 5 milhões de fêmeas x 4% = 200 mil touros
- Necessidade de reposição anual de touros – 15% de inaptos no andrológico = 30 mil touros
Nesse cálculo, bastante simplificado, mas não muito distante da realidade, chegamos à conclusão de que o RS necessita repor 30 mil touros por ano. E são vendidos 30 mil touros registrados por ano? Digo que não! Deixo para as associações de raça responderem. Somem todos os touros Angus, Brangus, Braford, Hereford, Charolês e Devon registrados anualmente no RS e não chegaremos nesse total. Confirma?
Se a lógica simples está certa, volto a afirmar: poucos touros são comprados. Diferente da afirmação de que muitos touros são ofertados. O tema é que, ainda, muitos pecuaristas usam touros próprios sem registro/seleção; compram “touros” de vendedores que não registram nem avaliam os seus animais, ou ainda buscam aquele terneiro mais bonito do vizinho para “refrescar” o sangue do seu gado. Talvez eu esteja exagerando, mas, se são necessários mais touros do que são produzidos “formalmente”, a diferença do número está em algum lugar. Quando fui bancário, me aplicaram uma picardia nos primeiros dias de trabalho: “Velloso, busca no almoxarifado a máquina de bater diferença”. Quem me pediu era o chefe da contabilidade e eu com vergonha de dizer que não sabia do que se tratava. Depois, me mandaram buscar envelope redondo pra uma circular. Aí me dei conta de que só queriam judiar do novo contínuo (office-boy).
Pois bem, concluo, então, que precisamos vender melhor o nosso produto touro. Demonstrar a sua importância e impacto na produtividade dos rebanhos, para que a possiblidade de pensar num “touro paralelo” não seja nem cogitada.
As mais variadas facilidades são oferecidas ao comprador de touros na atualidade. Vou tentar listar algumas:
Remates – são oferecidos financiamento particular (parcelamento), prazo diferenciado (plano safra e afins), descontos progressivos (fidelidade), frete grátis ou de baixo custo e até seguro de vida em muitas situações.
Moeda “touro velho” – muitos vendedores aceitam receber, como parte do pagamento, o touro descarte do cliente como forma de pagamento pelo touro novo. Entrega o novo e já volta no caminhão o touro reprovado no andrológico ou de idade já avançada.
Moeda “gado geral” – o recebimento de gado comercial na venda de touros também é usual. Define-se uma tabela com preço (kg) do terneiro, novilho, vaca de invernar, etc.; o touro é pago com o produto do cliente, o gado. Quem compra touro, tem gado. Então, tem a moeda.
Moeda “produção” – também existem fornecedores de touros que aceitam realizar a venda com pagamento através da produção dos próprios reprodutores, sejam terneiros no desmame, novilhos para engorde ou até animais no abate, no caso de empresas que operam com comercialização de carne e marcas de carne.
Pastagem para o inverno – alguns vendedores oferecem aos seus clientes o “cuido” dos touros vendidos em pastagens. Recebem o touro no outono e os devolvem ao cliente na primavera para novo uso. Assim, para aqueles que têm limitações para acomodar os reprodutores no inverno, é oferecida uma solução.
Parcerias na produção – alguns produtores de touros buscam parceiros para a recria de seus animais, podendo, assim, aumentar a escala de produção. O parceiro pode receber parte de sua remuneração com alguns bons reprodutores. Recordo de recebermos touros Brangus na propriedade da família, em Livramento (RS), faz vários anos, em função desse sistema. Eram bons animais.
Touro arrendado – existe também a opção de arrendamento. Usa na temporada de monta, paga pelo período e devolve. Na Argentina, existe uma empresa que opera nesse sistema desde 1995. Procure por Rent-a-Bull na internet. Existem dúvidas, riscos e “poréns” sanitários, mas é mais uma modalidade para o uso de touros de melhor qualidade. No RS, fornecedores de touros oferecem também essa possibilidade.
Enfim, as condições mais variadas são disponíveis no mercado para quem quiser bons touros. Logicamente, que as possiblidades apresentadas aqui dependem de algum tipo de fidelidade, continuidade ou compromisso na relação comprador: vendedor. As estradas rurais são de terra, mas é esperado trânsito nas duas mãos.
O produto touro é um dos insumos mais importantes à pecuária. É mais importante que a semente para a agricultura, pois deixará várias safras. Nem precisa máquina de bater diferença pra calcular.
* Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Novembro, 2023)