Tentarei compartilhar um pouco das percepções reunidas em oito dias de viagens, 12 propriedades visitadas, palestras assistidas e troca de experiências com os demais parceiros do Brasil, Argentina, Chile e Uruguai que formaram o grupo. Rodamos mais de 4 mil quilômetros e até ganhei uma garrafa térmica para os mates em uma aposta de quilometragem com o pessoal.
SCHAFF ANGUS VALLEY (St. Anthony, Dakota do Norte)
SAV é o afixo mais exitoso e mais influente na raça Angus no mundo e considero visita obrigatória para os envolvidos com a seleção de reprodutores. Não pense que é exagero, pois diversos números confirmam essa posição: média de venda dos leilões (em 2015 com mais de US$ 16 mil para aproximadamente 500 touros); número de touros em centrais de inseminação (cerca de 100 touros em coleta); e número de filhos registrados dos touros SAV (líderes em diversos países). Pois bem, não há quem visite esse rebanho e não fique literalmente encantado, pois é impressionante e a padronização, altíssima. Alguns (poucos) criticam que a alimentação é “excessiva”, que as vacas são exigentes (grandes), que faltam facilidade de parto e características de qualidade de carne. Até concordo, parcialmente, com essas questões, mas o rebanho segue sendo o mais influente e dominante na genética Angus no mundo. Os criadores e o mercado têm afirmado isso. Sendo assim, follow the leader (siga o mestre). Se a genética não lhe serve, o modelo de negócio tem de ser conhecido e compreendido. Para chegar à edição nº 103 do leilão anual, algo deve estar sendo bem feito.
SCHIEFELBEIN ANGUS (Kimball, Minessota)
A Shiefelbein Angus foi a visita mais agradável e surpreendente. Reuniu bom gado, acolhida, sentimento de família, casa e almoço em frente a um lago de paisagem de filme. O case dessa fazenda foi apresentado recentemente no Congresso Brasileiro de Angus e a visita foi um grande encerramento para compreender as mensagens trazidas na palestra (também uma das mais aplaudidas e comentadas no evento). O grande diferencial é a produção de genética em uma fazenda que também faz engorda de animais, pois essa situação não é frequente nos EUA. A Schiefelbein adquire e confina anualmente 15.000 bezerros de seus clientes. Assim, acompanha o desempenho dos filhos de seus touros e vive intensamente o mercado do boi e da carne de qualidade. No plano genético, esse foi o rebanho visitado com maior convicção no uso da genômica (Clarifide – HD50k) e maior
identidade com a inovação.
BIEBER RED ANGUS - (Leola, Dakota do Sul)
Para os usuários do RED ANGUS, a palavra Bieber é familiar, pois esse é um dos mais influentes criadores. Fiquei muito bem impressionado com a convicção do criador em defender seu programa e a raça Red Angus, pois nos EUA preto é uma raça e o vermelho é outra, totalmente separadas. Para mais de 900 matrizes Red Angus na Bieb er as escolhas de touros são feitas em um sistema de acasalamento dirigido disponível no site da Red Angus Association, buscando as melhores combinações genéticas e a progênie com o perfil desejado pelo selecionador. Na Bieber, ouvi repetidamente sobre o valor e o diferencial da docilidade do Red Angus comparativamente ao Aberdeen Angus. Em minhas observações de campo e em conversas com criadores experientes estou considerando que a afirmação tem sentido: os criadores de Red parecem estar sendo mais competentes na seleção para docilidade.
LT CHAROLÊS (Isabel, Dakota do Sul)
Para os que acham que a raça Charolesa parou no tempo, convém debrear. "Debreia!"
O gado Charolês desse rebanho tem facilidade de parto, leite, pelo fino e biótipo precoce. Mas, então, até parece Angus? Sim, elogiosamente as pessoas falam que esse é um "Angus branco”. LT é um rebanho exitoso comercialmente, vendendo mais de 200 touros por ano e com muito boa demanda. Enquanto muitos rebanhos deixaram a raça ou reduziram produção, o LT cresceu em quantidade e valores. Essa foi uma das visitas mais simbólicas, pois me apresentou um caso real de criador que fez um ajuste de rota importante, adequando a raça às demandas do produtor e do mercado. Se a resistência no Brasil para o uso de genética Charolês estava na falta de facilidade de parto ou na falta de precocidade, aí está um alerta de que a raça trabalhou bem nesses anos. Puristas dirão que os americanos fizeram cruzamento, que esse Charolês não é puro, coisa e tal... Pois bem, melhor seria não mudar e acabar?
NÚCLEO GENÉTICO ABS
A produção de genética própria por uma central de inseminação em bovinos pode soar estranho, mas esse é um projeto novo e transformador da ABS Pecplan. Buscando selecionar mais rapidamente algumas características específicas, a empresa está construindo um núcleo genético de Angus, Simental e SimAngus com os melhores animais dos EUA para eficiência alimentar e marmoreio. A multiplicação desse núcleo é realizada intensamente através de FIV e com rebanhos parceiros. A nata dos touros retorna ao núcleo genético. Os demais são vendidos em leilões da empresa, o Powerline, somando mais de 1.000 touros/ano. A produção de híbridos, a avaliação genética própria e outras características desse projeto nos aproximam mais de como a genética é vista e feita em aves e suínos.
Elegi esses cinco exemplos por serem ilustrativos de conhecimentos tão distintos que obtivemos em visitas tão similares para um olhar distante. O uso intensivo de touros jovens
nos programas de seleção, a preocupação permanente com genética para facilidade de parto, bom temperamento e a crescente incorporação da genômica são diferenciais claros do trabalho em genética dos EUA.
Recentemente, um fato que vem mudando o negócio de genética dos EUA é a entrada agressiva dos russos na aquisição de Angus. Quem lembra ou viveu épocas de “Guerra Fria” deve estranhar russos como grandes parceiros comerciais do pecuarista americano, no entanto, hoje isso é uma realidade. A relação é tão séria que a Rússia é o único país autorizado a usar a marca “Certified Angus Beef” fora dos EUA. Através dessas poucas reflexões tento compartilhar um pouco do muito visto e aprendido em uma viagem técnica.
Parafraseando e homenageando meu tocaio Fernando Pessoa, despeço-me convicto de que o conhecimento e experiências acumuladas não ocupam espaço: navegar é preciso.
* Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Setembro, 2016)