Foto: Embrapa
...na verdade, o certo mesmo seria pensarmos grande, com a
visão do Brasil como líder global em qualidade e produtividade do setor agropecuário como um todo. Nesse caso, a Embrapa
teria que ser transformada na Nasa da agropecuária mundial...
Por que não?
Todos os brasileiros devem agradecer à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) pelos excepcionais serviços prestados ao agronegócio brasileiro nos últimos 45 anos. Uma parte significativa do saldo da balança comercial do agronegócio, US$ 76 bilhões [1] no ano de 2016, só aconteceu porque a Embrapa desenvolveu tecnologias que viabilizaram o crescimento espetacular da produção brasileira dos produtos do agronegócio. Nos grãos, evoluímos de 78 milhões [2] de toneladas na safra 1996/1997, para 184 milhões [3] de toneladas na safra 2016/2017. Mais impressionante é a produção por hectare, que evoluiu de 2.144[4] toneladas para 3.220 [5], ou 50%. Diversos estudos mostram que o Brasil já alcançou níveis muito próximos da produtividade americana na produção em grande escala de soja e de milho.
Embora tenhamos evoluído na produção de carne bovina – já que passamos de 18,9 milhões [6] de cabeças abatidas em 1996 para 29,7 milhões [7] em 2016, ou 57% de incremento –, ainda estamos muito longe da produtividade alcançada pelos nossos principais competidores. Outro fator muito importante é a qualidade da carne, refletido no preço da tonelada da carne exportada.
Dados do ano de 2016 indicam que o Brasil exportou 1,351 milhão [8] de toneladas com o preço médio de US$ 4 mil/t [9]. A Austrália exportou 1,200 milhão [10] de toneladas com preço médio de US$ 5 mil/t [11]. Os Estados Unidos exportaram 1,187 milhão [12] de toneladas, com o preço médio de US$ 5,3 mil/t [13]. Claro que esses preços podem sofrer pequenas alterações em função do mix das exportações de cada país.
Essa diferença de preços, que varia de 25% a 33%, não deixa dúvidas de que precisamos da ajuda urgente da Embrapa. Se a nossa carne fosse vendida com 20% a mais no preço, adicionaríamos mais de US$ 1 bilhão na receita das nossas exportações, o que viabilizaria mais investimentos, mais salários e mais renda no campo.
A carne de qualidade que o mundo quer é muito saborosa e muito macia. Para isso, a carne deve contar com microveias de gordura entremeadas no músculo, o que chamamos de marmoreio. Para evoluirmos nessa direção, teremos que avançar na utilização das raças europeias no Brasil e, em particular, da raça Angus.
A dificuldade maior na utilização da raça Angus no Brasil é decorrente da presença do carrapato-de-boi e não do calor, que é a razão mais mencionada entre os pecuaristas. Existem regiões dos Estados Unidos onde a temperatura supera 40 °C durante alguns meses, no entanto a presença da raça Angus é predominante. Isso também ocorre em diversas regiões da Argentina. A diferença é que, nos Estados Unidos e em várias regiões da Argentina, não existe carrapato-de-boi.
Além das perdas mencionadas na receita que temos nas exportações da carne em função da qualidade – cuja solução seria o combate mais eficaz ao carrapato-de-boi –, também precisamos considerar os prejuízos que esse carrapato causa à pecuária brasileira, como os custos do tratamento, perda de peso, danos ao couro e diminuição dos nascimentos, em razão de índices de prenhez menores e índices de abortos maiores. O carrapato-de-boi ainda causa doenças graves nos bezerros, especialmente a chamada, popularmente, de tristeza, que, na verdade, é a anaplasmose e, em menor escala, a babesiose.
Voltando à grande diferença, para menos, dos preços das exportações da carne brasileira, quando comparados com os preços dos Estados Unidos e da Austrália, alguém pode argumentar que a produção de bovinos Angus no Brasil é mais cara, e, assim, precisaríamos verificar as margens dos pecuaristas nos países considerados. É verdade. No entanto, se for encontrada a solução para diminuir significativamente a presença do carrapato-de-boi aqui no Brasil, os custos da produção da raça Angus cairão fortemente.
Vale destacar que a produtividade brasileira na produção de leite também poderia melhorar significativamente se utilizássemos mais a raça Holandesa. Poderíamos diminuir o enorme gap existente entre a média da produção anual de leite no Brasil e a dos principais países produtores mundiais atacando a mesma causa: a presença do carrapato-de-boi por aqui.
Estudos da Embrapa estimam que o prejuízo causado pelo carrapato-do-boi pode alcançar R$ 9 bilhões [14] por ano no Brasil.
O cruzamento entre as raças Angus e Nelore tem sido uma alternativa intermediária nesse processo. Em 2016, a venda de sêmen de touros Angus superou 4 milhões [15] de doses, mais que 52% do mercado total. A Marfrig Foods foi a primeira empresa a incentivar, em grande escala, o cruzamento Angus x Nelore. A Associação Brasileira de Angus (ABA) desenvolveu e implementou, com muita competência, o Programa da Carne Angus Certificada, que atraiu diversas outras empresas do setor, o que também impulsionou o crescimento do interesse por esse cruzamento. Gosto de dizer que o cruzamento Angus x Nelore é o verdadeiro casamento por interesse. Os neloristas utilizam suas fêmeas para agregar valor ao produto final e os anguistas usam sêmen ou touros em campo. A qualidade da carne já melhora efetivamente e a produtividade da atividade também cresce.
A Embrapa já vem utilizando o estado da arte mundial no campo da biotecnologia para desenvolver alternativas de combate ao carrapato-de-boi. Se tiver sucesso, a Embrapa poderá revolucionar a pecuária nacional, contribuindo fortemente para a melhoria da qualidade da carne brasileira.
A melhoria da qualidade e da produtividade da pecuária nacional também depende da melhoria da performance dos bovinos. O incremento forte da inseminação artificial por tempo fixo (IATF) com o uso de sêmen de touros nacionais provados ajudaria bastante nesse caso.
O mesmo vale para o caso da identificação e certificação dos touros nacionais mais competitivos. A Embrapa já executa esse trabalho, mas ainda em pequena escala. Conhecimento, pessoal e estrutura para levar adiante esse desafio a Empresa já tem. Mais ainda, as associações de criadores poderiam contribuir muito mais ainda nessa jornada. Muita gente não sabe que das 4 milhões [16] de doses de sêmen da raça Angus comercializadas no ano de 2016, cerca de 3 milhões [17] foram de touros importados. Escuto dos vendedores de sêmen que os pecuaristas brasileiros querem ver as DEPs e outros números dos touros. Certo. Mas os números dos touros americanos foram obtidos em condições climáticas completamente diferentes das nossas.
Claro que o preço da carne brasileira poderá crescer se também aumentarmos a confiança dos nossos clientes externos no Sistema Brasileiro de Vigilância Sanitária. Deixo então aqui a pergunta: não seria o caso de a Embrapa participar mais desse tema, tanto na definição e avaliação dos padrões adotados bem como na qualificação e certificação dos nossos inspetores?
A Embrapa também vem utilizando, há muito tempo, todo o seu conhecimento no desenvolvimento de variedades mais adequadas de pastagens para as diferentes regiões do Brasil. Agora, com a biotecnologia mais acessível em função do aumento da capacidade dos computadores e do desenvolvimento de softwares específicos, os saltos de produtividade poderão ser enormes nos próximos anos.
No manejo da pecuária nacional, a Embrapa já iniciou outra revolução, que é o sistema Balpass, desenvolvido junto com a Coimma, que permite a pesagem do gado no campo, sem stress, e a transmissão automática de dados para os computadores da fazenda. No futuro, esse mesmo sistema poderá medir a temperatura dos bovinos, provocando então outro ganho excepcional no manejo.
A utilização dos modernos métodos de gestão na pecuária de corte nacional ainda não ganhou a tração necessária. Os resultados nesse campo também podem ser muito grandes, no aumento da receita e na diminuição das despesas. A Embrapa conhece o assunto, e já desenvolve um programa de capacitação com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Dessa forma, poderia liderar um grande movimento de modernização da gestão da pecuária nacional, incluindo também as universidades e empresas de consultoria já estabelecidas, sempre considerando o ensino a distância como parte do processo.
Dados mais recentes indicam que temos um rebanho de 218,23 [18] milhões de cabeças de gado em uma área de pastagem de 167,49 milhões [19] de hectares. Assim, a lotação média é de 1,33 animais por hectare. Com o desenvolvimento das providências mencionadas acima, poderíamos adicionar, no mínimo, 30 milhões de cabeças – um pouco mais que o rebanho total da Austrália – sem qualquer aumento da área de pastagem. Nesse caso, a lotação média passaria de 1,33 animais por hectare para 1,50 animais por hectare.
O quadro técnico excepcional da Embrapa e a experiência acumulada nos últimos 45 anos garantem as condições necessárias para que a Embrapa possa contribuir, ainda muito mais, com a revolução que precisamos fazer na pecuária de corte nacional. Cabe então ao governo federal definir, com os pecuaristas brasileiros, as metas que serão buscadas, simplificar os processos e incentivar as parcerias da Embrapa com as empresas privadas, e garantir os recursos necessários para a Embrapa entregar, um a um, os ambiciosos resultados esperados.
Termino dizendo que a revolução da qualidade e da produtividade na pecuária de corte proposta neste artigo contribuirá decisivamente para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) – Agenda 2030.
Fonte: Embrapa Por: Antonio Maciel Neto (FSL Angus ITU, Biotick e Quero ser CEO)