Por: Fernando Furtado Velloso
A Tabela Fipe expressa preços médios de veículos anunciados pelos vendedores, no mercado nacional, servindo apenas como um parâmetro para negociações ou avaliações. Os preços efetivamente praticados variam em função de região, conservação, cor, acessórios ou qualquer outro fator que possa influenciar as condições de oferta e procura por um veículo específico. Essa descrição foi a que encontrei ao buscar o que era a Tabela Fipe, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Pois bem, outro dia usei a expressão a “Fipe do Touro” e acho que o assunto vale para ocupar algumas linhas por aqui.
Neste bimestre (setembro e outubro), estão concentrados grandes grupos de leilões de touros no RS, e a consulta sempre chega a nós: “Velloso, como estão os preços de touros? O que é caro? O que é barato?”. Como o produto touro não é comprado rotineiramente ao longo do ano, como o gado de reposição, a sua cotação fica meio esquecida numa memória pouco acessada por alguns produtores.
A Tabela Fipe que mais conheço para touros usa a referência de 1.500 a 2.000kg de boi gordo (3 a 4 novilhos) para um touro. O centro dessa tabela ficaria em algo perto de R$ 1.750kg de boi. Mas, lembre-se, de que a FIPE tem muitas variações, em relação à motorização (desde o 1.0, passando pelo 1.8, até chegar aos motores turbo, híbridos e elétricos). O mesmo veículo com diferentes motores varia muito a sua cotação. Seguramente, a lógica é a mesma para os touros, pois reprodutores de dois anos, 700 kg e 40 cm de PE, parecem similares, mas podem ter motores grandemente diferentes.
A aquisição de um touro é um investimento de longo prazo e já tratamos diversas vezes disso nesse espaço. O touro está para a pecuária assim como a semente está para agricultura, mas com a grande diferença de ser a semente de 5 ou 6 safras e deixando mais “sementinhas” na terra, que são as suas filhas na cria. O touro é um carro que compramos para rodar uns 500 mil km. Muitos chegarão lá. Outros queimarão óleo. Alguns fundirão no meio do caminho. Pois bem, se pretendemos rodar tantos quilômetros, é conveniente dedicar um pouco de tempo e atenção ao “veículo touro” que vamos adquirir.
Assim como os carros, os touros podem ter diferentes finalidades de uso, o que afetará também a sua disponibilidade no mercado e, consequentemente, seu valor. Carros podem ser usados para trabalho como Uber, como carro da família, segundo carro da família, camionete para viagens, uso rural, carros de luxo, carros para ostentação, etc. Os touros, no mínimo, estão em três grupos bem distintos: comerciais (para uso em gado geral), pais de plantel (para uso em plantéis registrados) e touros de central (para coleta de sêmen). Aqui está muito simplificado, pois cada uma dessas categorias acaba se subdividindo em novos grupos conforme a exigência do comprador e do mercado.
É possível comprar reprodutores abaixo da FIPE TOURO?
Seguramente que sim! Assim como é possível comprar carros por 70% da Fipe. Podem ser carros de repasse, podem ser bonitos por fora, mas com cor de táxi por baixo do envelopamento; podem ter cara de novo, mas com muita rodagem e talvez o hodômetro alterado (com quilômetros de vantagens como diz o slogan). Esse carro baratão também não será encontrado em revendas autorizadas (concessionárias), pois deverão estar no OLX ou em lojas de pouca reputação. Recordo que li uma vez, no “Facebrique Livramento”, ofertas de carros “sem papéis”, para rodar em Rivera ou na área rural. Eram bem baratos mesmo. Para o touro, a lógica é meio parecida, ou seja, touro muito barato não virá de bons fornecedores nem de vendedores comprometidos com o pós-venda. O baratiol já pressupõe alguns riscos assumidos pelo comprador.
É frequente a discussão entre vendedores de touros sobre os riscos dos terneiros inteiros que circulam nos remates e dos vendedores de touros sem registro, sem avaliação genética, sem marca e sinal. “Orelhanos” como chamamos o gado sem identificação. Pois, para mim, não há risco algum. Se alguém optar ou por usar esses animais em seus rebanhos ou pelo terneiro mais pesado do vizinho como reprodutor, não é por falta de informação ou por desconhecimento, mas pela busca sem fim do mais barato “melhor”. É um comprador que não valoriza bons fornecedores nem bons produtos. Que não compra o seu veículo em uma concessionária. Prefere aquela barbada do carro de garagem que ninguém viu, mesmo sem documento, sem seguro e sem placa. É só trocar os pneus e acelerar. Pena que, no touro, não temos como trocar os genes nem os testículos.
Posso me considerar estudioso do mercado de reprodutores e, inclusive, dediquei o meu mestrado a esse tema. Revisei, pesquisei e analisei as diferenças do produto touro através das informações disponibilizadas nos catálogos de leilões. Estudei os manuais dos carros para compreender quais tinham mais tecnologia e como eram diferenciados pelos vendedores. Atualmente, os carros são mais econômicos e ecológicos. Modelos potentes e grandes fazem 15 a 20 km/litro. Situação impensável num passado recente. Os touros seguem no mesmo ritmo; temos animais medidos para eficiência alimentar e consumo alimentar residual. Touros que comem menos e crescem mais, passando essa genética aos filhos. Talvez tenhamos mais diferenças entre os touros que são ofertados nos leilões do que na imensa variedade de carros que circulam pelas ruas, mas ainda estamos presos à lógica de que o touro vale a FIPE ou pouco menos.
Em conversa recente com um importante vendedor de touros no RS, confirmei com ele que o touro vem se tornando cada vez mais acessível. A relação de troca (novilhos por touro) está cada vez mais favorável aos compradores. Talvez pela ampliação da oferta, talvez pela facilidade de acompanhamento e de participação em leilões virtuais, talvez por outros tantos motivos que desconhecemos. Mas, o que sabemos é que hoje é possível comprar muito bons touros com menos novilhos. Aproveite e seja criterioso.
Espero não ter aborrecido o leitor que não aprecia carros, mas é assunto do qual gosto demais e, por isso, acabo me alongando. Me distraio entrando em lojas de carro sem a menor pretensão de comprar. Folheio catálogos de leilões e de centrais de inseminação com o mesmo entusiasmo. Não fique preso à tabela Fipe. Ambicione mais.
* Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Outubro, 2022)