Por que congelar um touro? Parece até uma pergunta simplória, porque a resposta mais direta e lógica nos resume simplesmente a pensar em ter o sêmen congelado e o uso desta genética em maior número de vacas. Eu já pensei assim também, mas faz alguns anos que venho abrindo mais o leque desse raciocínio.
Hoje, quando penso na decisão de enviar um touro para uma central de inseminação, vejo um caminho que está sendo percorrido, num processo técnico e comercial, e não somente em ter “x” doses congeladas para uso ou venda, ou ter um banco genético para não perder o que foi selecionado naquele touro. Penso que o envio de um touro para uma central pode fazer parte de um processo rotineiro e sistemático dos selecionadores. Este será o tema que tentarei abordar neste texto.
Coleta de touros jovens
Um programa de seleção progressista deve considerar o uso rotineiro de touros jovens próprios, ou seja, oportunizar que mais matrizes sejam cobertas ou inseminadas pelos melhores touros da última safra (geração). O uso desses animais somente no repasse da inseminação é dar muito pouca chance de sucesso a esses animais como futuros pais. Não é incomum rebanhos americanos que usam o mesmo touro na inseminação e no repasse do lote em monta natural, oportunizando, assim, um bom número de filhos deste pai já na primeira estação de uso (ex: 50 matrizes na IATF com o touro A e repasse com o mesmo touro A).
O envio de um grupo de touros jovens para congelamento de sêmen em uma central no verão/outono (com sobreano) e o uso dos mesmos via IATF e monta natural, na primavera, é um método simples de acelerar o seu programa genético (e também comercial, como abordo na sequência). Mas, convém grifar que não sugiro essa coleta de touros jovens de forma eventual, mas, sim, como programa rotineiro e anual, da mesma forma com que fazemos pesagens, índices internos, avaliação genética, ultrassonografia de carcaça, etc. A coleta de touros jovens é parte de um processo onde alguns avançam e outros podem parar no meio do caminho.
Preparo ao mercado
O envio de um touro para congelamento de sêmen não está relacionado somente ao programa genético, mas, sim, intimamente ligado a novas possibilidades comerciais para este reprodutor.
O touro que ingressa numa central cumpre etapas que lhe dão maior possibilidade de ser contratado ou comprado por uma empresa de genética. Diferente de um touro de campo ou de exposição, para o touro que está numa central, já sabemos que ele atendeu às exigências sanitárias de quarentena (exames e tempo), congela bem, se produz bom volume de doses por coleta, se já existem dados de campo em IATF, etc.
No lado comercial, ele também será mais interessante ou conveniente ao cliente, pois poderá já ter um estoque inicial de doses (início imediato de vendas) e já deverá ter bom material visual em fotos e vídeos (início imediato de sua promoção e divulgação). Fica fácil ver que, na corrida do mercado de candidatos a novos touros de central, este touro jovem - em uma central - está vários passos à frente dos demais da mesma geração na sua raça.
O touro jovem que está ou que passou por uma central também é um produto diferente e especial a ser ofertado no leilão do criador, permitindo a sua venda para interessados em um doador de sêmen ou num possível investimento no mercado de inseminação.
Construir os diferenciais do touro
Ouço, com frequência, comentários de criadores em tom queixoso: “Velloso, as centrais não estão contratando o perfil de touro de que a nossa raça precisa” ou “Velloso, as centrais somente estão contratando touros que servem para cruzamento”. Enfim, não é novidade ouvir esse tipo de lamento que, em parte, eu entendo, mas que simplifico respondendo que as centrais compram ou contratam os touros que os clientes estão pedindo, ou seja, estão orientadas para o mercado. Contratam-se touros com as características que mais vendem. Simples assim.
Para termos alguma possibilidade de que o touro do perfil que apreciamos ou que entendemos necessário à pecuária seja mais usado e tenha sêmen em comercialização, temos de agir mais, seja de forma individual ou associativa, oportunizando que esse touro seja mais considerado pelas empresas de genética ou diretamente pelos criadores. Os selecionadores precisam usar mais essa genética em seus rebanhos e também melhor preparar esse produto técnica e comercialmente conforme comentei no item acima. Ou seja, se não apreciamos o “touro-padrão” contratado pelas centrais, temos de agir para que outros perfis de touros também sejam melhores considerados pelo mercado e pelas empresas de genética. Vou usar um termo muito batido, mas precisamos ser mais proativos para mudar um pouco esse cenário dos touros presentes nas centrais.
Quais são os diferenciais do seu produto touro? - O vendedor de touros busca sair da “comoditização” de preços do gado comercial para as possibilidades de maiores valores por animal nos reprodutores. A lógica tem sentido, mas é possível fortalecer mais esse ganho de valor do animal quando existem, de fato, importantes diferenciais no produto. O touro-padrão, ou sem grandes diferenciais, acaba sendo também precificado pelo gado comercial, pois para esse produto o comprador estabelece a referência de preço X quilos de novilho para a compra do touro, sem aceitar muitas variações que melhor remunerem o vendedor.
Se a afirmação feita no parágrafo anterior é verdadeira, convém dedicarmos mais tempo à construção de diferenciais do produto touro. Não é uma tarefa simples e não se restringe somente à genética, mas inicia-se no sistema de produção, no programa de seleção, no posicionamento do seu rebanho em relação aos demais, na reputação dos vendedores e na força de sua marca.
O touro pode ser produzido e comercializado mirando três grandes grupos de clientes: o pecuarista de gado comercial (touro comercial), o produtor de touros (touro para plantéis) e a venda de sêmen (touro de central). O valor potencial do touro vai aumentando com a mudança do tipo de cliente, e os diferenciais do produto são mais exigidos a cada degrau.
Os vendedores de touros com maior presença no mercado de inseminação e maior número de touros nas centrais são reconhecidos como “fornecedores diferenciados”, pois têm o seu produto no topo da pirâmide de comercialização de reprodutores. O envio de touros sistematicamente para congelamento é um dos caminhos para a construção de um melhor rebanho, com maiores diferenciais e melhor posicionamento no mercado.
1 “Congelar um touro” é uma expressão usada para dizer que o touro será levado para uma central para congelamento de sêmen
* Publicado na coluna Do Pasto ao Prato, Revista AG (Julho, 2023)