Assisti a um muito interessante webinar da Angus University (EUA) sobre esta velha questão: Como equilibrar as demandas do consumidor de carne e as características da vaca de cria?

O evento contou com palestrantes e moderadores de universidades, criadores e executivos do CAB (Certified Angus Beef®). Busque na internet por “Balancing the Consumer and the Cow”, bem recente, de janeiro de 2014.

Pois bem, vamos a fatos e dados da pecuária dos EUA obtidos neste webinar e algumas reflexões ou paralelos na pecuária brasileira ou sul-brasileira (onde palpo o tema com mais facilidade).

REBANHO DE CRIA NO EUA

O número de matrizes em reprodução nos EUA vem em declínio faz vários anos e alcançou o seu menor tamanho nos últimos 70 anos. Em 2000, haviam 34 milhões de matrizes e em 2023 o número baixou para pouco mais de 29 milhões de matrizes, queda de 15% em duas décadas (Fig. 1).

A pecuária americana também está sujeita aos efeitos do ciclo pecuário e das adversidades climáticas, mas a história dos últimos 30 anos (ou mais) diz que cada vez menos vacas estão nos campos americanos, e cada vez o preço do produto final (novilhos e novilhas no abate) é maior (Fig.2 - quantidade de vacas em azul, preços do novilho na linha vermelha).        

PESO DE CARCAÇA PRO ALTO E AVANTE

O peso médio das carcaças de novilhos nos EUA alcançou, em 2023, mais de 900 libras (ou aprox. 410 kgs). Em 30 anos, a carcaças ganharam mais de 70 kgs de peso, ou 2,5 kgs/ano. Ou seja, fazer mais com menos está sendo cumprido à risca pela américa. (Fig. 3). E aqui surgiu a discussão ou dilema: “há o tamanho certo da vaca para o tamanho certo da carcaça” e “pode estar ocorrendo desacordo entre essas partes”, afirmou o palestrante Mark Johnson (Oklahoma State University).

DIRECIONAMENTO PARA A CARNE DE QUALIDADE

A pecuária americana decidiu claramente produzir carne de qualidade e valor agregado. Nos últimos 18 anos, a carne Select (ou “ingrediente”) caiu de 41% dos abates para 15% do total. No mesmo período, a Carne Angus Certificada (CAB®) saiu de 6% para 22% do total abatido. A figura 4 mostra claramente que houve uma decisão e um direcionamento para este tipo de produto. Carne pra hamburguer? Se necessário importam do terceiro mundo, de machos inteiros, etc.

Para que estes níveis de aprovação na Carne Angus Certificada americana fossem alcançados, o foco em nutrição e genética para qualidade de carne (ou marmoreio) elevaram o percentual de animais abatidos com maior marmoreio ou melhor “grading” no sistema americano de classificação de carcaças. Na figura 5, observa-se claramente a alta participação de quase 2 milhões de bovinos abatidos no CAB em 2022 do lado direito na curva de qualidade.

Após a apresentação destes dados e outros de tendências no mercado americano, seguiu o webinar com um debate sobre a busca do equilíbrio entre o tamanho e custo da vaca de cria para que estes resultados no abate fossem alcançados. Ou seja, o quanto grande e cara uma vaca precisa ser para produzir um novilho com 400 kgs de carcaça? E por aí seguiu a importante discussão de genética maternal e terminal, e quanto os DEPs ajudam (ou atrapalham) essas decisões.

Foi corajoso um painelista que comentou que a maioria dos criadores americanos subestimam o tamanho de suas vacas: “eles acreditam que as suas matrizes tem em torno de 500 a 550 kgs, mas na verdade devem ter 650 kgs acima”. Esta foi a mesma impressão que tive em minhas visitas aos EUA. Lá, arredondam o peso das vacas pra baixo (na hora de mostrar). E aqui, arredondamos os pesos das nossas vacas pra cima (na hora de vender). Até em peso de vaca tem fake news.

Em conversa rápida com o meu amigo Vasco Beheregaray, que mora nos EUA faz vários anos, confirmei os seguintes valores atuais médios do gado nos EUA e a conversão de libras para reais (R$).

Quadro 1 – Preço do gado nos EUA – Fev/23 - Sistema “conta de padaria”

O objetivo deste quadro não é discutir se o gado nos EUA é muito mais valorizado que o nosso, etc, até porque os custos são outros num país que confina praticamente a totalidade dos animais em terminação. E também onde as variações de preço são bem maiores que as nossas em função da classificação de carcaças. A ideia ou exercício é demonstrar que a vaca nos EUA tem valor de “sucata” e neste exemplo muito simplificado ela vale no máximo 60% do valor do produto padrão (novilho gordo), mas existem situações e descontos que podem fazê-la valer menos ainda, e ficar muito mais distante do preço do novilho. Ou seja, a vaca americana vale 40 a 50% menos que o novilho. Logo, convém não deixar essa vaca falhada na estação.

Velloso, e no Brasil, vale à pena deixar a vaca falhada (solteira) no campo? Eu não disse isso, mas considerando que a vaca gorda no Brasil vale aprox. 85 a 90% do preço do boi gordo e que ainda não fizemos a “curva da carne de qualidade” em nossos abates, convém repensar alguns conceitos.

Por Fernando Furtado Velloso (24/02/24)

Figuras - “Balancing the Consumer and the Cow | WEBINAR - Jan. 16, 2024” e NCBA.
Informações de preços – contato pessoal e apoio para tabulação de Vasco Beheregaray (EUA).